“Quando a luz do gabinete de Francisco Campos acendia, a luz da democracia apagava”, Victor Nunes Leal
A tentação totalitária, protegida pelos caprichos da lei e pelas tortuosas manobras processuais, alcançou, desde os anos 30, do século XXI, respeitável impulso jurídico no plano do direito constitucional, no Brasil. Não que, antes disso, não tivéssemos assistido a golpes e contra-golpes, fracassados uns, bem sucedidos, outros, em um longo aprendizado política, cujos resultados não parecem animadores.
Desde a Guerra do Paraguai, as nossas forças armadas, em dueto solitário, ao regressaram, vitoriosas e descalças, dos chacos paraguaios, ampliaram a consciência da sua importância política.
Deste esse episódio heróico, com algumas perdas e desditas, tal a Retirada da Laguna e a batalha naval de Itararé, as nossas tropas de terra e mar extraíram uma lição exemplar e assumiram o papel histórico de instrumento de defesa da nação e de depositária de um poder aparentemente aceito e reconhecido, no Império e na República, o que veio chamar-se de “poder moderador”.
Abandonamos, pela primeira vez, os espaços da democracia e da legalidade, em 1930, com um golpe, posteriormente “legalizado” pela Constituição de 1937 e pelo Estado Novo. Não entram nesta contabilidade os arroubos e pequenos levantes dos quais, aliás, encheram-se todas as nossas “repúblicas”, de 1989 até os nossos dias.
Desse empreendimento de “sagração legal” de um golpe a gaúcha foi artífice, escultor e vigilante atento o jurista Francisco Campos,dotado de excepcional argúcia. Por oito anos, a fórmula de um Estado “Novo” manteve a ordem no Brasil e a respeitabilidade do seu criador. Há quem atribua ao Estado Novo e a Vargas o crédito pelo papel modernizador do Brasil.
Em 1945, sem choros nem vela, o Estado Novo desconstruiu-se por dentro, com uma súbita endemia democrática que a todos contagiou. Todos os agentes do poder, como por milagre, sem esquecer os aderentes em causa própria, transfiguraram-se em democratas. Vargas voltaria, quatro anos depois nos “braços do povo”, como se nada houvera acontecido nos 15 anos de governo discricionário…
Em 1964, nova crise de amargas suspeitas de autoritarismo de esquerda abate-se sobre a família brasileira. Como não bastasse, o País debatia-se em uma perigosa crise de “excesso de democracia”. As forças armadas atenderam ao chamado das famílias que se acreditam honestamente em risco, e subiram de Minas com as colunas de velhos panzers, sempre prontos a guerrear. Castelo Branco referia-se ao cerco da caserna pelos políticos como obra de “vivandeiras de quarteis”.
A defesa da democracia, no Brasil, fora dotada, no entretempo de vinte anos, de mecanismos jurídico-constitucionais ágeis e conspícuos, fora as táticas de assédio e tomada do poder do Estado. Nada teria, entretanto, acontecido, na engenhosa construção de uma democracia “legal”, sem a contribuição de alguns luminares do Direito.
Posto em disponibilidade e quase esquecido, a Francisco Campos, consagrado, entretanto, pelos seus feitos anteriores, foi dada a incumbência da criação de um antídoto infalível para a cura dos excessos de liberdade — O Ato Institucional, em 1964. Com ele, vieram os Atos Complementares, em sucessivas edições e tantas que mais assemelhava-se à série periódica do elementos químicos.
Três anos depois, outro aparato largo espectro surgiria de encomenda aviada por alguns juristas de renome.
A Constituição de 1967, outorgada como a de 1937, as nossas “polacas”, são modelo de como uma democracia “relativa” pode ser fortalecida e mantida sob controle do Estado, como regra mínima de governabilidade.
Francisco Campos estava sempre por perto para atender às emergências. Integravam o séquito ilustre: Miguel Reale, Carlos Medeiros, Alfredo Buzaid e as reservas de entendidos das leis, por aquele tempo inesgotáveis na USP…
A cada época e a cada tempo, o seu Francisco Campos e as suas ordenações.