De como o poder fez-se “autoridade” na sociedade dos homens, e, por extensão, das mulheres
“Não crer a verdade é mentir com o pensamento; impugnar a verdade é mentir com a obra; afirmar a mentira é mentir com a palavra”, “Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, padre Antonio Vieira.
“Governar é fazer crer”- “O Príncipe”, Maquiavel.
“Os que vencem, não importa como vençam, nunca conquistam a vergonha”, idem
Não é nova a inclinação dos homens pela mentira. Pela mentira e pela inveja, Caim matou Abel, sabe-se lá os traumas que carregava aquela família.
A expulsão de Adão, Eva e Caim do Paraíso e a progênie que espalhariam pela Terra deram forma a relações de poder, obediência e autoridade que, bem ou mal, fixaram os contornos de governabilidade no mundo civilizado.
A começar pela Mesopotâmia, segundo alguns cronistas e um livro de tombo a que se deu crédito pelos tempos afora, depois pelas costas d’Africa — ou terá sido o inverso ? Fosse vivo, o padre Fred, sj., me corrigiria. a salvar-me do vexame de imperdoável tropeço de datação e de lugar. Foram poucos e comedidos em suas prédicas os ministros de Deus que cruzaram os meus caminhos na vida de pecador remido. Padre Amarilio e padre Fred, já citado, bem que se empenharam, mas não conseguiram dar rumo às minhas dúvidas remanescentes essenciais. Louvo-os, tardiamente, pelas intenções e pelos gestos amantíssimos de respeitosa catequese…
Pois bem, estávamos a falar de boatos e rumores para o que pedíramos a obsequiosa cumplicidade de Maquiavel e de Vieira, especialistas na matéria.
Já nas famílias, grupos que se reuniam para proteger os bens comunitários, ainda precários, e para disputá-los, percebiam-se os primeiros laços de autoridade, espécie de obediência tácita, como registraria aquele que ficou conhecido como Max Weber, cujo testemunho invoco, de quando em vez, nestas notas exploratórias.
O boato era, já naqueles tempos de precária expressão verbal e retórica, uma forma dissimulada de contestação dos fatos. A verdade ou a mentira era substituída pela dúvida gerada pelo boato. O rumo era o boato ampliado.
Mentir com o pensamento, mentir com a palavra ou mentir com a obra é, como se sabe, “é não crer a verdade, é afirmar a mentira”.
A “fake news”, o “fake thinking” e o “politicamente correto” são formas notórias e largamente afirmativas de substituição da verdade pela mentira e a afirmação da mentira pó no verdade.
Alguns oficiais-pensadores chamariam esse processo de “embuste”, a consagração da mentira como se verdade fosse.
Altamirando Específico, em seu “Tratado sobre as Falsas Evidências Expostas”, fez da mentira a verdade funcionalmente aceita. Não admira que a mentira, devidamente aparelhada tenha-se tornado a firma mais perfeita do governo dos homens e do Estado…
A construção da “contrarrealidade”, expediente usado com grande serventia pelas artes da governabilidade, nada mais é do que uma mostra clara da mentira posta ao serviço da política do Estado.
O Incêndio de Roma pelo imperador Nero, como o incêndio do Reichstag, a mando do Führer, de ato explícito assumiu a feição nítida de um ato político. De impulsos criminosos passaram à história com as dúvidas que o cercam, ainda hoje, como fato histórico.
De tal forma plantadas, a dúvida e a suspeita, ainda assim, os dois episódios, indiciados como afronta e golpe à democracia terminaram por destruír a própria democracia. O incêndio do Reichstag destruiu a democracia de Weimar e aplainou a estrada para a ascenção do III Reich.
O “Estado Novo” e “1964” foram “intervenções” consagradas pelas adesões insuspeitadas do “clero, nobreza e povo”, em defesa da democracia, sepultada por 40 anos. Submetidos a tratamento de tal forma prolongado, não conseguimos, até agora, acertar o caminho de volta às longínquas franquias democráticas, perdidas um dia.
