
A condição essencial para a liberdade no Estado moderno está acima de tudo
na independências das instituições que guardam, aplicam e promovem o saber humano, Anisio Teixeira – A universidade e a Liberdade Humana, RBEP, vol. 20, n. 51
The status quo is the only solution that cannot be voted, Clark Kerr
Os meios são frações de fins, John Dewey
A universidade, um dos capítulos mais brilhantes da República das Letras, assim como a Biblioteca e o Mosteiro, sofreu ataques e o cerco perverso e destruidor dos regramentos da fé, do poder absoluto do Estado.
Em nossos dias, dez séculos depois de Bolonha, a universidade viu-se tomada de assalto pelos refluxos autoritários de uma avalanche de preconceitos epistemológicos poderosos… Como Alma Mater, centro de produção de ideias, de conhecimento e laboratório da Ciência, foi o “locus” de resistência a todas as manifestações do poder do Estado e das instâncias da fé. Sobreviveu à Inquisição, à Reforma e à Contrarreforma, entre católicos, luteranos e huguenotes. Conviveu com o fascismo e o comunismo e com as suas variantes oportunistas. Impérios e alianças passageiras surgiram e passaram.
Paris, Bolonha, Cambridge, Oxford e Berlim e a nova universidade americana cresceram e afirmaram-se como expressão e voz do Ocidente.
A democracia e a sua projeção governamental — a República — são produto de um memorável avanço civilizacional, dos “séculos das revoluções”, na percepção de Hobsbawn. Das suas raizes greco-romanas originárias, a universidade guardou os regramentos didático-pedagógicos do Trivium e do Quadrivium. Com esse acervo de registros cognitivos de mecanismos de produção de saberes, construiu o seu corpo de habilidades e e da ciência.
O avanço civilizatório desses últimos mil e quinhentos anos tem a sua marca na Biblioteca, no Mosteiro, na universidade, na “Republica das Letras”, no Iluminismo, na prensa móvel, nos salões literários…
A Era das Revoluções (Hobsbawn) corre em paralelo ao advento das ideologias e das ortodoxias de Estado e da forte sedução das organizações totalitárias.
A tudo sobreviveu a universidade, voltada para a preservação do pensamento e dos ideais de liberdade, ao assédio das Revelações da fé e ao arbítrio do governo do Estado.
Mas não foi sem graves ferimentos que a instituição superou os ataques de uma conflagração continuada que alcança, atualmente, um arco incomensuravelmente amplo de privação da sua autonomia. Os controles gestionários e financeiros do Estado, associados ao cerco das ideologias que a sitiam modelam uma camisa de força muito poderosa para que possam ser detidos os avanços sobre o governo universitário e as liberdades acadêmicas.
Harvard, assim como o MIT e, pelo menos cinco das mais importantes universidade do mundo, foram, nas últimas três ou quatro décadas, sequestradas pelo radicalismo que, à falta de melhor definição, podemos chamar de “woke”, de uma sociedade pós-moderna que encanta e seduz os mais jovens, na sua generosa visão de um mundo desconhecido.
São essas multidões inquietas, carregadas de intenções e carecidas de conhecimento, que anunciam, com o entusiasmo juvenil de 1968, “La fin de l’université”…
No Brasil, a universidade é trunfo fácil entre as imposições do Estado e os interesses da empresa privada. Dominada por controles externos a ela própria, a universidade tornou-se presa fácil do mercado e dos controles ideológicos de Estado.
[Publiquei como reitor da UFC, 1980, a tradução brasileira de OS USOS DA UNIVERSIDADE. Prefácio de Valnir Chagas]
