Um leve toque de ternura no retrato deste Antônio. Com as pinceladas sem retoques de uma cronista dona de inesgotáveis recursos para uma narração limpa e eloquente.
Sempre imaginei que marceneiros seriam José, mãos grossas, habilidosas, capazes de extraírem da madeira a alma que hospedam…
Aqui em casa, tivemos um Antônio marceneiro, carpinteiro por assim dizer. Mestre Antônio cipilhou, armou e deu polimento ao cedro que suporta os meus livros. Impôs tamanho e largura às prateleiras, como se conhecesse os volumes que iriam acolher. Reginaldo, menino ainda, era a mão direita do velho pai.
Octogenário, Antônio de vez em quando, aparece para alguma emergência. Olha, com os mesmos olhos de José, a obra construída há mais de quarenta anos. As térmitas não encontraram arrimo nesta formidável arquitetura.
Como dom Rigoberto, de Vargas Llosa, desfiz-me de alguns livros e ocupei por necessidade premente os espaços deixados — com novos velhos títulos e lombadas. Lidos ou por ler, que livro é como mulher bonita, queremos tê-la em nossa companhia para os agrados e os desejos da paixão…
Fiz de Mestre Antônio personagem da minha CONVERSA DE LIVRARIA.
Cedi, entretanto, como os intelectuais da minha idade, à sedução da boêmia e nas vizinhanças da minha livralhada, construí um bar, para abrigo das minhas reservas de inspiração, em garrafas bem postas nas prateleiras armada pelo Mestre Antônio.
Certo dia, percebi que um limpador de esquadrias e vidraças parado, seduzido pela visão do oecado, diante de tantas garrafas, cantarolava:
“Sonho meu, sonho meu, vem buscar que mora longe, sonho meu…”
