“Quando se trata de uma instituição específica do Estado ou da sociedade, a autonomia não confere uma liberdade absoluta. Instituições existem, são criadas e reconhecidas socialmente para preencherem funções sociais específicas e são estas que as legitimam”, Eunice Durham – “Autonomia Universitaria”, in Educação Brasileira, Brasilia, 1987
“A universidade terá uma tipografia, um laboratório químico, um observatório astronômico, um museu de História Natural, e uma livraria e um hospital”, José Bonifácio de Andrada e Silva – “Esboço de uma universidade no Brasil”, IHGB L 191, MS 4845 B.
“A condição essencial para a liberdade no Estado moderno está, com efeito, acima de tudo, nas instituições que guardam, aplicam e promovem o Saber humano”, Anisio Teixeira – “A universidade e a liberdade humana”, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, volume 20, n. 51, Rio de Janeiro, 1951
Uma universidade “woke”, de reconhecido ativismo ideológico, financiada com recursos públicos parece um contrassenso. Ou um paradoxo. Nos Estados Unidos, como na Europa. Assim as universidades que se multiplicam na América Latina, sob o condicionamento de projetos de precária formatação acadêmica, movidas, entretanto, por motivação ideológica enraizada na índole populista que varre o Continente sul-americano nas últimas três décadas.
Dotada de independência e de governo próprio autônomo, conforme uma frágil tradição que as leis formalizam, a instituição sobreviveu às relações que a subordinaram, no passado, às injunções da fé e do Estado. Mas não se livrou das pressões armadas pelo autoritarismo crescente do Estado e do mercado.
A Trump poder-se-ia recriminar o espetáculo encomiástico de combate montado para defender a universidade americana de uma injustificável dominação ideológica. Mas não a iniciativa de restaurar, na universidade, os compromissos seminais com o conhecimento e a liberdade por justificarem o dístico que lhe foi reservado de “Alma Mater” da sociedade, de um povo, de um país.
Não caberia desenvolver aqui, nos espaços limitados destes comentários, a longa história que fez da universidade o reduto e a resistência mais poderosos em defesa do Saber e da Liberdade. É o marco mais significativo da luta em defesa da civilização e contra o totalitarismo e o arbítrio.
A universidade alemã, no ápice da sua projeção intelectual e científica, foi destruída pelo nazismo que exerceu controle absoluto sobre os seus destinos.
O nazismo, antes de ser governo, foi “movimento social”. Até venceu as eleições para o Reischstag e impôs Hitler como chanceler. Assim foi com o fascismo de Mussolini, com Lênin e os bolcheviques. A liberdade e a universidade assistiram, em momentos graves, aos autos de queima de livros e ao constrangimento de professores e alunos diante da autoridade. Em lugares e países mais sofisticados, foram aprimorados instrumentos jurídicos com os quais o Estado buscou domar o espírito criativo da universidade, vigiar as práticas e atividades acadêmicas.
Na Califórnia, em Paris e na USP, o que parece estar em jogo e risco é a liberdade, aprisionada pelos impulsos de ideologias autoritárias, muitas vezes sem nexos visíveis com a missão da universidade. Algumas vezes, partem da burocracia do Estado. Outras, das conexões ideológicas e políticas que, movidas por lances identitários, confundem os peões de um imenso tablado de xadrez, dentro e fora da universidade. Nisso, a universidade se distingue de um partido político ou dos movimentos sociais da militância. José Bonifácio e Anisio Teixeira, em duas citações tomadas por empréstimo, fixam as fronteiras dis espaços do Conhecinento, dis Saberes e da Ideologia.
A imagem de uma metáfora de “Gramsci ao contrário”, em alusão a Trump, suscitei-a nos sites FOCUS e SEGUNDA OPINIÃO algumas pontuações pertinentes. E o fiz com o amparo da indulgência dos seus editores, jornalistas de boa têmpera, conquanto mantenhamos divergências, educadas e mutuamente tolerantes.
Fernando Schuler retoma, com segurança, em artigo a que agora se faz menção, ao trágico processo de “revolução cultural” que anima, hoje, a desconstrução social e política das “velhas estruturas” do Ocidente.
A universidade encarna, simbolicamente, como formulação e construção do Conhecimento, as instituições das quais nasceu. As bibliotecas, o “scriptorium”, os mosteiros, as academias e a “República das Letras”. Sem falar no “vale do cilício” das grandes descobertas e invenções do espírito humano. Por República das Letras, tenha-se em mente a “ambience” intelectual sob a qual prosperara a busca do conhecimento com antecipação das fronteiras da ciência em suas infinitas aplicações.
É desse patrimônio comum que estamos a falar. Não podemos perder esse acervo civilizacional acumulado há quase 2 000 anos, com questões perdulárias e transitórias de uma dialética repetitiva e verbalizadora de verdades mortas.
Este “brave new world” huxleyano anunciado serve, todavia, como metáfora e anteparo, mas, também, advertência contra a ocupação da Razão por formas e fórmulas primitivas de pensamento e de poderosos regramentos autoritários.
*Nota do editor: A Tragédia de Massada se deu no ano 73 d.C., durante a ocupação romana da Judeia, cerca de 960 judeus rebeldes cercados na fortaleza de Massada optaram por um suicídio coletivo para não se renderem ao exército romano.
Segundo relatos históricos, homens mataram suas famílias e, depois, a si mesmos. O episódio é lembrado como símbolo extremo de resistência e sacrifício, e marcou profundamente a memória judaica e a identidade de Israel.
