O Papa Leão e o Rei Dom Manuel. Por Angela Barros Leal

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Em 1514, o Rei Dom Manuel de Portugal presenteou o Papa Leão X com um elefante branco. Talvez esteja aí a origem da expressão “elefante branco”: o alguém iria fazer com um paquiderme pesando algumas toneladas, distante de seu habitat natural, mais acostumado aos sons, luzes e cores das paragens africanas do que ao cantochão religioso nas manhãs frígidas do Vaticano.

No entanto, o elefante fez sucesso. Logo na cerimônia de entrega, ajoelhou-se três vezes diante do Pontífice, como havia sido ensinado, e aspirou água suficiente em sua tromba para banhar o Papa e os Cardeais que o recebiam, extáticos de alegria. Tão constante se fez sua presença, que artistas residentes próximo ao Vaticano apressaram-se em incorporá-lo às suas artes, como o fez o pintor Rafael Sânzio.

Passou a fazer parte da curiosa coleção particular de animais exóticos possuídos pelo Papa Leão X – na vida civil denominado Giovanni de Lorenzo de Médici –, um pequeno zoológico que incluía um leopardo, antílopes, macacos e aves expatriadas. Dizia-se dele, de Giovanni, que teria sido folgazão, bem-humorado, e que, possivelmente pelo peso do sobrenome, assumira o trono maior da Igreja aos 37 anos de idade. Deram-se muito bem, Leão e o elefante. Tanto que ao morrer, em 1517, seria o animal sepultado dentro do território do Vaticano, sua grandiosa ossada ocupando espaço no exíguo solo da Santa Sé.

Dom Manuel soube que o presente agradara. Ele mesmo possuía um outro elefante, além do que fora enviado ao Papa, empregado nos desfiles de datas e eventos patrióticos, para empolgação do público. Daí não se estranhar que em 1515, um ano depois da doação do elefante, tenha ele desejado manter as graças junto a Leão X, com algo de porte similar: um rinoceronte.

Em janeiro daquele 1515, o animal chegara às mãos do Rei como agrado de um potentado indiano. Foi recebido com prazer, louvando-se suas quase quatro toneladas de armadura andante, dotado de um chifre pontudo na ponta do focinho, e que não era visto em terras portuguesas desde as incursões romanas. A notícia espalhou-se pela Europa, e tão inédita se fazia que o pintor Albrecht Dürer o desenhou, sem sequer vê-lo em couraça e osso.

A Corte sofria com a ausência de divertimentos que fossem além das execuções e dos castigos públicos. Era um problema que o Rei se propôs a resolver com a imaginação, ao buscar resposta para a pergunta: Quem ganharia em uma luta? O recém chegado rinoceronte ou o elefante da casa?

Postos frente a frente, o resultado foi visto nos primeiros minutos do que se esperava viesse a ser uma sangrenta batalha. O elefante deu as costas, arrebentou o portão do Palácio e fugiu na velocidade permitida pelo próprio peso. Em algum ponto de seu sistema límbico, reconhecera a estratégia do rinoceronte, de se encaixar entre as duas patas dianteiras do inimigo de maior tamanho, e com o chifre pontudo rasgar o ventre da vítima.

No final do ano, o Rei Manuel entediara-se com o rinoceronte. Nada melhor do que doá-lo ao Papa, já se sabendo da aquiescência papal para presentes de grande porte. Em dezembro de 1515 o animal foi embarcado em um navio, no rumo de Roma. O navio que vencera, sem maiores incidentes, a longa travessia das Índias para Portugal, naufragou nas águas geralmente tranquilas do Mediterrâneo, levando ao fundo não apenas o rinoceronte, mas também uma carga valiosa de pedras preciosas e prata, remetida pelo Rei para assegurar o apoio da Santa Sé em conflitos terrenos, envolvendo outras nações.

Dias depois, o corpanzil do rinoceronte ressurgiu das águas, em uma praia da França. Foi identificado, empalhado, e remetido para o Vaticano. Não causou o mesmo impacto junto ao Papa Leão X, é evidente, sendo despachado para compor o acervo de um Museu, do qual desapareceria para não mais ser encontrado.

Em 2025 surgiria um novo Papa Leão, dessa vez o XIV. Ao que se sabe, não demonstra ele maiores interesses por animais exóticos, o que pode dificultar o surgimento de histórias intrigantes como essa.


Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus Poder desde 2021. Sócia efetiva do Instituto do Ceará.

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