Dos desígnios da fé e da força; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

COMPARTILHE A NOTÍCIA

“As ações devem ser julgadas de acordo com as intenções.”Maomé

“À sua descendência, darei esta terra.”Gênesis 12

No Oriente Médio, a fé não é mero pano de fundo cultural ou simbólico. Ela é, essencialmente, o cimento das instituições, o arcabouço das normas jurídicas e o motor dos projetos de poder. Ali, a separação entre religião e Estado, como entendida no Ocidente, é uma abstração inexistente.

O caso do Irã é particularmente emblemático. Supor que o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, seja uma marionete do aparato militar — especialmente da Guarda Revolucionária — é ignorar por completo a essência do regime iraniano. Trata-se, sim, de uma teocracia na qual o poder militar, econômico e político está subordinado às diretrizes da fé, como definido pela interpretação xiita do Islã.

O Alcorão não é apenas escritura sagrada. É constituição, é código de conduta, é doutrina jurídica e, em muitas circunstâncias, é também a gramática da guerra. A ordem social, a estrutura política e os preceitos legais estão profundamente amalgamados com os ensinamentos do Profeta.

Entre sunitas e xiitas, ainda que com divergências teológicas e históricas, o princípio comum é claro: governar é exercer a vontade de Deus na Terra. O Estado, portanto, não é uma construção secular, mas uma extensão prática da fé. Isso explica, de forma irrefutável, por que os conflitos naquela região, ao longo dos séculos, carregam inevitavelmente a marca da guerra sacralizada — expressão moderna de cruzadas, jihad, guerras pela defesa da fé ou pela expansão da promessa divina.

Qualquer análise que pretenda compreender as dinâmicas do Oriente Médio sem levar em conta esse elemento fundante — a centralidade da religião como vetor de organização social e política — não apenas erra, mas se torna absolutamente irrelevante.

A geopolítica da região não é apenas uma disputa por recursos, territórios ou influências. É, sobretudo, uma disputa simbólica e espiritual. Ali, a Terra não é apenas espaço geográfico. É legado divino, promessa feita por Deus a Abraão e a seus descendentes.

A própria constituição dos Estados na região é atravessada por essa lógica. As fronteiras são recentes, artificiais, herança dos acordos de guerra das potências coloniais europeias. Mas o sentido de pertencimento, o direito à posse da terra, o dever de defendê-la ou de reconquistá-la repousam sobre narrativas muito mais antigas, profundamente ancoradas na teologia e na tradição.

É nesse contexto que surge a questão da nuclearização do Irã. A busca pela bomba atômica, além de seu evidente valor estratégico e militar, possui também uma dimensão simbólica: garantir, pela força máxima, a continuidade e a sobrevivência de um projeto teocrático diante de inimigos percebidos não apenas como adversários políticos, mas como hereges, infiéis ou invasores históricos da ordem sagrada.

Naturalmente, essa possibilidade é vista pelos demais atores regionais — especialmente as monarquias sunitas e Israel — como fator de desestabilização permanente. Não se trata apenas de dissuasão militar, mas da eventual quebra de um frágil equilíbrio espiritual, político e civilizatório que estrutura, de maneira precária, a ordem do Oriente Médio contemporâneo.

Por fim, é preciso reconhecer uma obviedade que os discursos diplomáticos frequentemente evitam admitir: as culturas políticas predominantes no Oriente Médio não se moldam, historicamente, aos paradigmas democráticos de matriz ocidental. Isso não significa, necessariamente, a negação da liberdade, da justiça ou dos direitos — mas sim a existência de uma outra lógica, de uma outra arquitetura social e política, fundada na primazia da fé, na tradição, na autoridade religiosa e na ancestralidade.

O Oriente Médio, desde os tempos de Abraão, passando por Maomé e Jesus, até os conflitos atuais, permanece sendo um território onde a história da humanidade se entrelaça com a história do sagrado. É um mundo onde a fé não é uma escolha privada, mas um destino coletivo. E, enquanto isso perdurar, qualquer análise que se pretenda realista precisará compreender que ali, mais do que em qualquer outro lugar, Deus não é apenas uma crença — é uma instituição de Estado.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Lula aciona Ciro na Justiça, que reage: “O maior dos agentes dos agiotas“

Fortaleza lidera ranking global de cidades com melhor desempenho ambiental, segundo a Oxford Economics

Operação Teia de Aranha: o incrível ataque ucraniano com drones de US$ 600 que destruiu dezenas de bombardeiros russos de milhões

Do Axios: China, IA, nova ordem mundial e o risco de apagão geopolítico dos EUA

Aeroportos de Jeri e Canoa estão na lista de novo leilão do Governo Federal

Ciro 2026: O regresso que embaralha a ordem política no Ceará e mexe peça no xadrez nacional

Frente de centro-direita: André afaga Ciro e prega união para tirar o PT do poder

O escândalo do INSS implode o roteiro da “colheita” de Lula; A ordem é replantar

Em decisão exemplar, Justiça do Ceará manda fazendeiro reflorestar área desmatada

Seu João, o homem que transformou “orgulho de ser nordestino” em legado

Ceará volta os olhos para a China e vive a expectativa da negociação de R$ 50 bi em data center no Pecém

NYT revela os bastidores da eleição-relâmpago do novo papa

MAIS LIDAS DO DIA

Ciro negocia filiação ao PSDB, sigla de sua mais importante vitória eleitoral

Crescimento turístico no Ceará: Corpus Christi deve movimentar R$ 238,1 milhões no estado

Dos desígnios da fé e da força; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Elmano se reúne com CEO global e mira destravar investimento de R$ 18 bilhões no Pecém