A fuga atropelada de Mafra, sob o cerco do general Junot e a ocupação das tropas de Napoleão, foi transformada pelos cronistas da Corte em ato estratégico e heroico.
A Retirada da Laguna — com tropas miseráveis de escravos descalços fugindo do ditador Solano López, cercadas por morte e doenças — entrou para a história como expressão da nossa índole patriótica e da bravura dos nossos povos.
No Porto de Lisboa, a Biblioteca Real foi largada no cais, sob a chuva, enquanto a família real se abrigava nos brigues da Marinha inglesa que a transportaria, sob escolta, para a travessia atlântica com destino ao Brasil.
Na versão caricata da maior batalha naval que jamais realizamos — a Batalha de Itararé — restou a sátira que deu nome ao humorista brasileiro Apparício Torelly, o Barão de Itararé.
Repetimos a história, primeiro como tragédia, depois como farsa. Ou, acrescentaríamos ao vaticínio do velho e impertinente Marx: por vaidade, por hábito, por farolagem, basófia, gabolice ou prosápia.
Neste novo imbróglio em que fomos arrastados — por força da irrisão de uma deplorável e gratuita exposição internacional —, deixamo-nos embalar pela histrionice de Trump, pelos impulsos descontrolados de troças, gracejos e provocações chulas, pelos arroubos de agentes brasileiros e pelas atitudes dúbias de parcelas do bolsonarismo militante.
Esquecemos as regras de ouro da diplomacia: prudência, equilíbrio, disposição para o diálogo e uma paciência quase infinita para ouvir, contestar com serenidade o que nos fere, e oferecer alternativas hábeis para formar consensos construtivos.
Trocamos a realidade pela fantasia. Misturamos questões de tarifas e taxas — parte de um contencioso tributário acumulado entre países — com ideologias autoritárias e culturas políticas marcadas por tradições totalitárias.
Como se não bastasse, nos deixamos seduzir pela miragem ingênua de novas alianças, buscando a proteção de países com os quais nossas relações diplomáticas e comerciais são recentes — recentíssimas.
Na diplomacia, as nações e as sociedades falam pela voz dos seus estadistas. Pelo poder militar, fala a força das armas. Mas não é o capricho, nem a voz solitária de um governo, que representa os anseios profundos e os valores civilizatórios de um povo.
Respeito, os países conquistam pela sua capacidade de expressar suas convicções, protegidos pelo Estado de Direito, em ambiente democrático e com a legitimidade de suas decisões — elementos indissociáveis do exercício pleno da sua soberania.
