Por Dra. Laura Almeida
Post convidado
A moda não se resume apenas a códigos de vestimentas, a grifes e tendências efêmeras. Expressa identidade, mostra quem fomos, somos e queremos ser. É a arte que expõe discursos sem usar palavras e se manifesta apenas com um único fio ou desenho distinto.
Aqueles que estão ativamente inseridos em tal indústria, percebem, de modo intrínseco, que a veia artística do ramo traz naturalmente às marcas autorais a sede por diferenciação, posto que, em tempos de tendências velozes, a identidade é o maior ativo — devendo ser protegida à altura.
Nesse contexto, o Direito da Moda (ou fashion law) surge não como um conjunto de normas que analisam legislações aplicáveis de forma universal às indústrias tradicionais, mas como um campo estratégico que articula, de modo inovador, as práticas jurídicas e negociais para auferir segurança e tração em negócios criativos.
Em analogia temos o fashion law como uma lente de análise jurídica especializada, por meio da qual observa-se a indústria da moda e aplica-se, de forma interdisciplinar, diferentes áreas do Direito conforme suas necessidades específicas.
A visão garantida pela lente do fashion law permite indicar de modo mais pontual os riscos e oportunidades em todo o processo produtivo, seja da indústria ou do comércio da moda.
A interdisciplinaridade advinda do direito da moda vem com base nas necessidades do setor, em resposta às suas dores frequentes e mais latentes, cabendo seguir nas mais diversas variáveis contidas nos tipos de negócios da moda.
Nesse contexto, válido apontar a necessidade de resguardo e proteção dos bens intangíveis, havendo os tradicionais, protegidos pela legislação autoral e da propriedade industrial, e os não tradicionais, os quais não estão elencados na proteção normativa, porém, diferenciam os produtos no mercado, como: elementos da identidade visual, moldes, brandings e afins.
Para assegurar a almejada proteção conveniente faz-se a utilização de cláusulas contratuais personalizadas, que estudam e classificam o risco de exposição de cada bem e, sempre que indicado, realiza a conjugação do instrumento contratual com termos de exclusividade reforçando a segurança contratual.
Outra grande dificuldade enfrentada pela indústria surge durante as etapas iniciais da cadeia de produção, como, por exemplo, o fornecimento de matéria-prima, tendo em vista o risco de contratação de fornecedores ligados a condições de trabalho precárias ou a métodos de confecção altamente poluentes, gerando impactos severos que se agravam nas demais camadas.
A solução desta problemática revela-se com a prevenção posta pela adoção de medidas de compliance, este essencial para mapear, monitorar e prevenir irregularidades ao longo da cadeia produtiva, resguardando de possível contratação de fornecedores que se vinculam às condutas de trabalho escravo, assédio, falsificação e greenwashing, combatendo-os diretamente por meio de políticas internas robustas, manuais outsoursing e auditorias periódicas, garantindo maior integridade às operações e reforçando o posicionamento ético da empresa no mercado da moda.
Nesse conjunto de cuidados estratégicos, torna-se igualmente oportuno ressaltar a tutela dos direitos artísticos e culturais, especialmente no que se referem às criações autorais — aquelas que aproximam a moda do universo das artes e conferem identidade, valor simbólico e exclusividade aos produtos.
Todavia, diante do risco recorrente de apropriação indevida e cópias, parciais ou integrais, de criações autênticas, o direito autoral surge como uma solução jurídica essencial para proteger obras que expressam a individualidade criativa do autor, certificando o uso exclusivo de desenhos, estampas e coleções temáticas, contribuindo para salvaguarda da originalidade, preservando o valor agregado às marcas no mercado da moda.
Para a atuação com resultados vantajosos se faz necessária a ciência das características básicas do setor: (i) celeridade, onde tudo acontece em ritmo acelerado, da criação ao consumo, exigindo decisões assertivas que acompanhem a velocidade, sem comprometer a segurança; (ii) sazonalidade, marcada por ciclos, muitas vezes expressas em coleções, seja sazonais ou colaborativas, exigindo contratos ajustados ao calendário criativo; (iii) efemeridade, está longe de ser uma fraqueza, é justamente o que impulsiona a constante reinvenção — como destaca Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero, vivemos em uma sociedade onde o novo é rapidamente substituído.
Posto isso, a atuação jurídica na moda vivencia de modo intrínseco a prática do setor, o qual põe-se como cadeia produtiva de maiores destaques na economia, sendo o Brasil detentor da maior do Ocidente, partindo desde a produção de fibras ao varejo, variando sua execução com a criação, confecção, distribuição e marketing.
Logo, um acompanhamento jurídico próximo permite a aplicação de soluções que agregam valores, dão fim à informalidade massificada, prevenindo prejuízos e impulsionando o crescimento de forma segura e planejada.
Com este olhar direcionado o jurídico transforma-se em aliado — não em obstáculo — ao ritmo inovador e dinâmico da moda, permitindo maior confiança para desenvolvimento de negócios criativos.
Portanto, para transformar propósito em marca, criação em valor e estilo em estratégia, é necessário compreender que moda é negócio. E todo negócio bem-sucedido necessita de governança jurídica especializada.
O fashion law oferece o alicerce, não como burocracia, mas como uma ferramenta de inteligência jurídica para marcas que desejam crescer com autenticidade, ética e consistência no mercado. Criar é essencial — proteger e estruturar, também.
