Houve tempo quando o Orçamento da União era definido com o concurso das Comissões da Câmara e do Senado e por um precário aparato de planejamento do Executivo.
A administração pública federal era, por esse tempo, mecanismo importante de um sistema presidencial de governo.
Executivo e Legislativo participavam ativamente do processo de elaboração orçamentária e da alocação de dotações para o sistema federal de administração.
O STF, dotado de competências e atribuições próprias a um Conselho Constitucional, ainda não inchara os seus poderes judicantes a ponto de transformar-se em uma terceira instância recursal, final e definitiva.
Após os governos militares, com a redemocratização do País e a aprovação de uma nova Constituição, em 1988, os Poderes da República incorporaram mudanças e novas competências ampliadas.
O presidencialismo, que se alongaria por todo o período republicano, assumiria, progressivamente, pela força de circunstâncias decorrentes do sistema partidário vigente, as características próprias a um regime de “coalizão”. A multiplicação descontrolada de partidos políticos alteraria, no exercício da governança, artefatos institucionais significativos. Três dezenas deles surgiram para recolher a riqueza ideológica dos brasileiros e dar-lhes conformação e esteio políticos.
O processo eleitoral, sinal mais vivo de um Estado democraticamente constituído, sofreu, na nossa acidentada vida republicana, alguns interregnos prolongados, durante o Estado Novo, de Vargas, e nos anos dos governos militares.
Ao todo, cerca de 40 anos, período ao longo do qual as eleições, como processo regular de escolha de dirigentes e governantes. foram substituídas por uma avalanche de atos autoritários. São deste tempo os “atos” institucionais, instituidores de novas práticas regulares, sob a aparência de “legalidade” — ao largo dos registros constitucionais próprios a um Estado democrático. Foi quando as leis substituíram o que chamávamos de “povo” por prescrições e ordenamentos editados em determinados escaninhos do poder do Estado.
Os democratas brasileiros, mesmo os mais radicais dentre eles — jacobinos dissimulados — , nunca conseguiram distinguir entre duas palavras essenciais, a “legalidade” da “legitimidade”. Bastava-lhes o respeito pela força das leis.
Não por outra razão, as ditaduras latino-americanas mostraram-se, ao longo da História, emolduradas pela legalidade instituída por “revoluções” de ocasião. Entre os Andes e as praias de Copacabana nasceu e impôs-se ao mundo uma categoria singular de sistema político, a “ditadura constitucional”, a que os franceses chamam com respeitosa indulgência de “democradura”…
Esses hiatos distendidos e prolongados aliviaram, entretanto, a União dos dispêndios decorrentes da sustentação partidária, modelando uma economia livre de encargos desnecessários… Foi possível, assim, no curso desses aplicados exercícios de controle de gastos desnecessários com a máquina eleitoral, relativizar os custos operacionais de uma democracia perdulária…
O retorno das garantias constitucionais interrompidas trouxe, na bagagem de mão da sua criatividade, o bipartidarismo e com ele novos encargos de custeio como suporte de um novo sistema eleitoral. Finalmente, o voto retornaria como prática reconhecida indispensável á governabilidade. Nunca se haverá de saber por quanto tempo.
Com a proibição do uso de contribuições privadas nas campanhas eleitorais, a alternativa oferecida pelos recursos públicos, mais abundantes e generosos, ganhou terreno com os PECs e outros expedientes igualmente eficientes. A nossa Constituição é um rico acervo de duvidosas intenções, enriquecido pela experiência de incansáveis legisladores.
O Fundo Partidário ou Eleitoral, associado às Emendas Parlamentares constitui-se, cravado nas contas públicas, no maior repositório de valores postos à disposição dos partidos e dos parlamentares.
Os recursos orçamentários concentrados nessas fontes inesgotáveis de aleitamento democrático transformaram-se, com a urna eletrônica, na maior alavanca eleitoral e nos mecanismos mais eficientes de controle do sistema eleitoral. Postos à disposição das coalizões partidárias, das lideranças parlamentares e dos redutos municipais e estaduais das oligarquias urbanas e rurais, o orçamento eleitoral tornar-se-ia um eficiente regulador da nova democracia.
Em fase pré-eleitoral, com as candidaturas delineando-se no horizonte eleitoral, os partidos políticos e os parlamentares, armados das suas alavancas democráticas, transformaram-se na mais prodigiosa injunção de meios e motivos para a sensibilização de um eleitorado em busca de cobertura financeira para a realização das suas metáforas e dos seus interesses.
Para usar uma gasta imagem de outros tempos, o Brasil viverá nos próximos meses um grande espetáculo democrático. Assistiremos à uma operação milionária com recursos que são a garantia, em dimensão exponencial, da maior e a mais energizada democracia do mundo. Elegeremos, nós, eleitores, em um ritual patriótico de escolhas bem avisadas, mais de 5 000 prefeitos e milhares de vereadores, cujas candidaturas terão sido patrocinadas em mais de 30 partidos, alimentadas pela botija do Fundo Partidário e das Emendas parlamentares.
A gestão de tamanha banca de valores e finalidades controvertidas gerou a suspeita de prováveis ou eventuais desvios e variantes na complexa operacionalização dos meios disponíveis com vistas aos resultados perseguidos.
O conflito de competências entre as instâncias republicanas de poder do Estado poderia ser uma delas, como de fato se apresentou aos operadores deste gigantesco sistema de provedores/governantes.
De tudo, nada, entretanto, que uma coalização bem composta não poderá resolver, a qualquer preço e pelo custo cobrado aos eleitores, cidadãos e contribuintes, na forma da lei.