“Em algum lugar da biblioteca, existe uma pagina que foi escrita para nós”, Alberto Mangel
Tentávamos, por esse tempo, romper o isolamento editorial do Ceará.
Nunca conseguimos desatar o nó górdio do sistema de distribuição comercial para tornar o livro cearense visivel fora do Ceará. Até mesmo neste território fechado, o livro teimava em permanecer empacotado nas gráficas ou nas editoras que os produziam.
Publicamos, ainda hoje, de forma amadora. Muitos talentos perdem-se, entretanto, por falta de oportunidade editorial. Com sorte, por obra cúmplice das amizades na mídia, alguns comentários indulgentes anunciam a obra. Superficiais, via de regra, afinal são livros “cearenses”… Não praticamos “critica literária”, fazemos registros, rapidas e elogiosas recensões. Para não ferir susceptibilidades. Ou distribuem-se elogios ou calámo-nos para sempre…
Autores há, contentam-se com tiragens mínimas que, raramente, passam dos 200 exemplares, pagas do próprio bolso, esgotadas nos ritos de amizade dos lançamentos.
Sem um sistema de distribuição comercial que alcance o circuito livreiro em outros estados, o livro cearense, de autor cearense — permanece inédito.
Algumas tentativas foram feitas no passado, pela UFC, pelo Armazém da Cultura, pela Fundação Waldemar de Alcantara e pela Fundação Democrito Rocha, no plano da iniciativa privada; pelo Museu Histórico do Estado e pela SECULT, para citar apenas estes veículos de maior destaque. Sem sucesso. O livro escrito e editado do Ceará vê a luz dos lançamentos, rito intelectual de referência social, nos congraçamentos de amigos, para desaparecer das bibliografias e cair no esquecimento, longe dos leitores. Aqueles que compram livros — para os ler…
Em um acordo de coedição entre a Universidsde Federal do Ceará e a Editora Civilização Brasileira, pelos anos 1980, Enio Silveira e o reitor da UFC, na época, iniciaram um projeto do qual resultou a editoração de cerca de 80 titulos ineditos ou reedições com ampla distribuição comercial pelo país inteiro. O sucesso da iniciativa não sobreviveria ao seu sucesso, como ocorre às coisas bem sucedidas no Brasil.
Livro dado, oferecido não alcança leitor de merecimento. O leitor valioso é o que busca, procura, encomenda e compra o livro — para ler. De cavalo dado não se olham os dentes…
Paradoxalmente, mesmo à falta de leitores, continuamos a “produzir” livros. Diz-se, no Ceará, com o gosto de uma ironia amarga, que, entre intelectuais, não prosperou o hábito da leitura de livros alheios. É dissimulação bem fingida demonstrar não haver lido o livro que acabou de ser editado. É com esse silêncio condenatório que se nomeia um escritor “lançador de livros” ao ineditismo. Salvo quando os amigos tomam a si a promoção da celebração do feito. Em um clube social, de preferência … Longe de estantes e dos mistérios da escrita.
Vem de longe, entretanto, o interesse pela atividade editorial no Ceará. Edésio, Alaor, seu filho; Luiz Maia, Antonio Martins Filho, AC Mendes, os irmãos Bezerra, Luiz Esteves, com as suas tipografias e seus tipos móveis, são alguns dos livreiros, alfarrabistas, atores desta vocação para imprimir livros. De Luiz Esteves, sobreviveu a lembrança da sua tipografia Progresso. Martins Filho, vindo do Grupo Clã e da advocacia, ator de múltiplos papéis, praticou as artes da tipografia desde os 14 anos, no Crato.
Alguns deles, em tempos recentes, venceram a artesania e inauguraram as suas linotipos, a cara moderna de Gutenberg.
A seu tempo, quando os atos do giverno eram notícia, a Imprensa Oficial do Estado cumpriu missão editorial, com a publicação de livros, em um mecenato de favor.
O Instituto do Ceará, ajudado pelo espírito inovador de Antônio Martins Filho teve a “sua” tipografia. O Banco do Nordeste, com Raul Barbosa, fez rodar textos especializados em economia e desenvolvimento econômico, emprestando ao movimento editorial do Ceará e da Região, características acadêmicas inovadoras. As primeiras impressoras da Imprensa Universitária do Ceará, da UFC, chegaram do Piaui, pelas mãos de Antonio Martins…
Ainda assim, o livro “cearense”permaneceu emparedado, distante dos leitores, como um objeto de colecionadores à salvo do interesse dos leitores. Nao fosse pelos cuidados de bibliólogos reconhecidos os registros sobre os nossos “incunábulos” modernos teriam desaparecido. No Ceará, José Augusto Bezerra é um destes apóstolos dedicados. “Bibliólogo”, tenho-o como mestre destas artes. Rubem Borba de Moraes, José Mindlin e José Augusto Bezerra completam o naipe desses apascentadores de livros.
O livro digital, o “e-book”, as plataformas da Internet são as portas do futuro do livro virtual. Fora do papel impresso, iluminado nos monitores e salvo em arquivos, nas núvens, o texto transforma-se nos guardados do repositório da produção intelectual e cientifica.
O livro impresso não perecerá, será salvo, como escultura de papel, entre o imaginário coletivo dos bibliólogos… E dos leitores.
