A invenção dos leitores; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

COMPARTILHE A NOTÍCIA

“Em algum lugar da biblioteca, existe uma pagina que foi escrita para nós”, Alberto Mangel

Tentávamos, por esse tempo, romper o isolamento editorial do Ceará.

Nunca conseguimos desatar o nó górdio do sistema de distribuição comercial para tornar o livro cearense visivel fora do Ceará. Até mesmo neste território fechado, o livro teimava em permanecer empacotado nas gráficas ou nas editoras que os produziam.

Publicamos, ainda hoje, de forma amadora. Muitos talentos perdem-se, entretanto, por falta de oportunidade editorial. Com sorte, por obra cúmplice das amizades na mídia, alguns comentários indulgentes anunciam a obra. Superficiais, via de regra, afinal são livros “cearenses”… Não praticamos “critica literária”, fazemos registros, rapidas e elogiosas recensões. Para não ferir susceptibilidades. Ou distribuem-se elogios ou calámo-nos para sempre…

Autores há, contentam-se com tiragens mínimas que, raramente, passam dos 200 exemplares, pagas do próprio bolso, esgotadas nos ritos de amizade dos lançamentos.

Sem um sistema de distribuição comercial que alcance o circuito livreiro em outros estados, o livro cearense, de autor cearense — permanece inédito.

Algumas tentativas foram feitas no passado, pela UFC, pelo Armazém da Cultura, pela Fundação Waldemar de Alcantara e pela Fundação Democrito Rocha, no plano da iniciativa privada; pelo Museu Histórico do Estado e pela SECULT, para citar apenas estes veículos de maior destaque. Sem sucesso. O livro escrito e editado do Ceará vê a luz dos lançamentos, rito intelectual de referência social, nos congraçamentos de amigos, para desaparecer das bibliografias e cair no esquecimento, longe dos leitores. Aqueles que compram livros — para os ler…

Em um acordo de coedição entre a Universidsde Federal do Ceará e a Editora Civilização Brasileira, pelos anos 1980, Enio Silveira e o reitor da UFC, na época, iniciaram um projeto do qual resultou a editoração de cerca de 80 titulos ineditos ou reedições com ampla distribuição comercial pelo país inteiro. O sucesso da iniciativa não sobreviveria ao seu sucesso, como ocorre às coisas bem sucedidas no Brasil.

Livro dado, oferecido não alcança leitor de merecimento. O leitor valioso é o que busca, procura, encomenda e compra o livro — para ler. De cavalo dado não se olham os dentes…

Paradoxalmente, mesmo à falta de leitores, continuamos a “produzir” livros. Diz-se, no Ceará, com o gosto de uma ironia amarga, que, entre intelectuais, não prosperou o hábito da leitura de livros alheios. É dissimulação bem fingida demonstrar não haver lido o livro que acabou de ser editado. É com esse silêncio condenatório que se nomeia um escritor “lançador de livros” ao ineditismo. Salvo quando os amigos tomam a si a promoção da celebração do feito. Em um clube social, de preferência … Longe de estantes e dos mistérios da escrita.

Vem de longe, entretanto, o interesse pela atividade editorial no Ceará. Edésio, Alaor, seu filho; Luiz Maia, Antonio Martins Filho, AC Mendes, os irmãos Bezerra, Luiz Esteves, com as suas tipografias e seus tipos móveis, são alguns dos livreiros, alfarrabistas, atores desta vocação para imprimir livros. De Luiz Esteves, sobreviveu a lembrança da sua tipografia Progresso. Martins Filho, vindo do Grupo Clã e da advocacia, ator de múltiplos papéis, praticou as artes da tipografia desde os 14 anos, no Crato.

Alguns deles, em tempos recentes, venceram a artesania e inauguraram as suas linotipos, a cara moderna de Gutenberg.

A seu tempo, quando os atos do giverno eram notícia, a Imprensa Oficial do Estado cumpriu missão editorial, com a publicação de livros, em um mecenato de favor.

O Instituto do Ceará, ajudado pelo espírito inovador de Antônio Martins Filho teve a “sua” tipografia. O Banco do Nordeste, com Raul Barbosa, fez rodar textos especializados em economia e desenvolvimento econômico, emprestando ao movimento editorial do Ceará e da Região, características acadêmicas inovadoras. As primeiras impressoras da Imprensa Universitária do Ceará, da UFC, chegaram do Piaui, pelas mãos de Antonio Martins…

Ainda assim, o livro “cearense”permaneceu emparedado, distante dos leitores, como um objeto de colecionadores à salvo do interesse dos leitores. Nao fosse pelos cuidados de bibliólogos reconhecidos os registros sobre os nossos “incunábulos” modernos teriam desaparecido. No Ceará, José Augusto Bezerra é um destes apóstolos dedicados. “Bibliólogo”, tenho-o como mestre destas artes. Rubem Borba de Moraes, José Mindlin e José Augusto Bezerra completam o naipe desses apascentadores de livros.

O livro digital, o “e-book”, as plataformas da Internet são as portas do futuro do livro virtual. Fora do papel impresso, iluminado nos monitores e salvo em arquivos, nas núvens, o texto transforma-se nos guardados do repositório da produção intelectual e cientifica.

O livro impresso não perecerá, será salvo, como escultura de papel, entre o imaginário coletivo dos bibliólogos… E dos leitores.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Disputa entre Ceará e Pernambuco derruba comando da Sudene e escancara guerra por trilhos e poder no Nordeste

Guararapes, Cocó e De Lourdes têm a maior renda média de Fortaleza. Genibaú, a menor

Moraes manda Bolsonaro para prisão domiciliar após vídeo em ato com bandeiras dos EUA

Paul Krugman: Delírios de grandeza (de Trump) vão por água abaixo

Pesquisa AtlasIntel: Crise com Trump impulsiona Lula e desidrata Bolsonaro

Torcida brasileira pode ficar fora da Copa de 2026 nos EUA

Exclusivo: placas de aço produzidas no Pecém fora da lista de exceções de Trump

Reagan vs. Trump: Quando a direita acreditava no mercado, não na ameaça

Levitsky: Trump usa tarifas como arma pessoal e ameaça global à democracia

GLP-1 no Brasil: promessa de milagre, preço de privilégio

O Pix da histeria à omissão: por que a direita gritou contra o governo e calou diante dos EUA

Ciro Gomes caminha para filiação ao PSDB após almoço com cúpula tucana, em Brasília

MAIS LIDAS DO DIA

TST garante estabilidade para funcionária grávida que pediu demissão