Com o colapso da União Soviética, aquele velho ideal de paraíso proletário se desfez em escombros diante do mundo. Sem Moscou para sonhar, a esquerda caviar brasileira logo tratou de pintar um novo retrato na parede: a China. Vestiram de glamour o que é, na essência, uma ditadura pragmática. A liberdade democrática, tão exaltada em discursos domésticos, desaparece como incômodo ruído quando o assunto é Pequim.
Não é por falta de provas. A China mantém campos de reeducação, censura severa à imprensa, vigilância digital em escala industrial, repressão sistemática a minorias religiosas e controle absoluto sobre a internet. Mas, para os entusiastas tropicais do modelo chinês, esses detalhes são meras “peculiaridades culturais”. A máquina do Partido Comunista não é chamada de autoritária; é tratada como eficiente. A falta de eleições livres vira sinônimo de estabilidade. O silêncio das massas é confundido com consenso.
Nesse jogo de admiração seletiva, o que importa não é a liberdade, mas o sucesso econômico. A China cresceu, distribuiu infraestrutura, criou uma classe média urbana e construiu metrópoles reluzentes. Mas o custo foi alto: direitos individuais sufocados, imprensa domesticada, intelectuais calados, dissidentes presos ou desaparecidos. Não se trata de progresso, mas de obediência institucionalizada. E esse preço, quem o paga, são os cidadãos que vivem sem voz, sob o olhar atento do Estado.
Por conveniência ideológica ou oportunismo comercial, muitos preferem calar. A esquerda gourmet, que se indigna com a menor falha ocidental, desvia o olhar diante do gigantismo autoritário chinês. Faz vista grossa aos paredões digitais, às câmeras de reconhecimento facial que classificam e punem em tempo real, às listas negras invisíveis que condenam sem julgamento.
É curioso como o totalitarismo chinês, ao vestir terno e usar tecnologia de ponta, passou a ser tolerado, ou pior, admirado. A liberdade, quando incomoda, é deixada de lado. A ética, quando atrapalha negócios ou narrativas, é substituída por silêncio. No fundo, o que se cultua não é o modelo chinês em si, mas o poder que ele concentra, a disciplina que impõe, a máquina que não hesita.
A nova corte vermelha é digital, próspera e impiedosa. E quem a bajula, por ideologia ou conveniência, fecha os olhos para o essencial: onde não há liberdade, todo progresso é fachada. E toda admiração, um sintoma.
Gera Teixeira é empresário ítalo-brasileiro com atuação nos setores de construção civil e engenharia de telecomunicações. Graduado em Marketing, com formação executiva pela Fundação Dom Cabral e curso em Inovação pela Wharton School (EUA). Atualmente cursa Pós-graduação em Psicanálise e Contemporaneidade pela PUC. Atuou como jornalista colaborador em veículos de grande circulação no Ceará. Integrou o Comites Italiano Nordeste, órgão representativo vinculado ao Ministério das Relações Exteriores da Itália. Tem participação ativa no associativismo empresarial e sindical.