A quem interessa a polarização? Por Ricardo Alcântara

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Foi poupando André Fernandes de críticas no primeiro turno que a coligação que elegeu Evandro Leitão escolheu seu adversário no segundo. O cálculo dos lulistas os levou a acreditar que seria aquele o mais fácil de abater no um contra um. Não foi o que se viu.

Não concordávamos com a tese e o resultado (politicamente, um empate) só confirmou nosso ponto de vista, francamente minoritário entre os apoiadores de Evandro, de que, ao contrário, o bolsonarista seria o mais difícil de superar no “jogo de 6 pontos” do confronto direto.

A crença dos lulistas se baseava em dois aspectos: a notória inconsistência pessoal do adversário e o anti bolsonarismo, que adquiriu contornos míticos no Nordeste como um sentimento amplamente consolidado.

A nossa posição – minoritária, insisto, e completamente ignorada – era adversa àquela por razões mais subjetivas, mas não menos pragmáticas: o pior adversário – e André Fernandes encarnou bem o papel – é o Sr. Imponderável de Almeida, aquele fogo que os ventos empurram morro acima e ninguém sabe até onde pode ir.

Por que o pior? Porque quando ele se mostra forte é evidência de que a irracionalidade já contaminou com suas toxinas o circuito dos diálogos sociais sobre a questão eleitoral e esse ambiente de irracionalidade é o território mais hostil para a centro-esquerda iluminista. Significa dizer que nós simplesmente não conseguimos construir narrativas convincentes aplicando a mesma gramática.

E mais. Como candidato que amalgamava o sentimento anti sistema, do “basta” e do “chega”, André colocou a candidatura de esquerda – cuja perspectiva mais ampla é a mudança no status quo – em aguda contradição, levando-nos para as paisagens onde não nasceram nossas causas: a institucionalidade, o sistema de formalidades que, a rigor, entrega pouco em proporção ao déficit de dignidade social do país.

Tampouco aqui acreditávamos que o anti bolsonarismo estivesse agora tão vivo em seu potencial de reatividade quanto esteve em 2022, quando – para honra e glória do sistema representativo, do Estado de Direito e das garantias individuais – elegemos Lula presidente.

Líamos a conjuntura em outra direção: um processo lento e contínuo de dispersão daquele sentimento anti bolsonarista. E por duas razões.

A primeira é que, não mais sendo presidente, Bolsonaro estava impedido de reafirmar diariamente, em atos e palavras, os bons motivos que haviam para rejeitá-lo. E é assim mesmo, a memória popular: o que os olhos não vêem, o coração não sente. Ele para de fazer maldades, o sentimento sossega.

A segunda razão do arrefecimento da rejeição a Bolsonaro é que – por motivos vários e alheios à sua vontade – Lula não entregou nos seus dois primeiros anos de mandato, e nem poderia, o suficiente para gerar entusiasmo popular suficiente (embora mantenha boa aprovação) para manter bem alimentada, por contraste, a figura “satânica” do mal a ser vencido.

A muito disso tudo, entre outros fatores já fartamente analisados, se deve o placar apertado, de vantagem estritamente matemática, com que Evandro venceu a eleição e já prepara a escalação de seu time para o novo desafio.

E, claro, aqueles que defendiam a tese de que estrategicamente era recomendado poupar André Fernandes no primeiro turno para enfrentá-lo no segundo, o que, ao fim, prevaleceu, também podem agora argumentar que nada garante que, fosse outro o adversário, teria sido mais fácil.

Bem, aí entra o “se” e quando o “se” entra por uma porta, a história escapa pela outra. Deu certo e isso é o que agora importa. Mas talvez este artigo favoreça em quem lê algumas reflexões prospectivas. Afinal, 2026 vem aí e nossa pergunta, confirmada pelos fatos recentes, ainda não quer calar: vocês têm certeza mesmo de que alimentar essa polarização é a alternativa mais segura? Eu não.

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