A conta que não fecha
Reportagem do NeoFeed revela travas estruturais que ameaçam e inviabilizam projetos de R$ 100 bilhões no maior hub de hidrogênio verde do país, no Ceará. Ou seja, nada vai sair do papel sem soluções e encaminhamentos que não dependem do Ceará e de seu Governo.
O que está acontecendo
O que seria uma virada para o Brasil no mercado global de hidrogênio verde virou alerta de colapso: o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) barrou o acesso à rede de dois megaempreendimentos da Casa dos Ventos — uma planta de amônia verde (R$ 49 bi) e dois data centers (R$ 50 bi), estes últimos em parceria com a chinesa ByteDance (dona do TikTok), todos no Complexo do Pecém, no Ceará. A justificativa: risco de sobrecarga grave na malha de transmissão elétrica do Nordeste.
Por que importa
O episódio expõe uma contradição estratégica no Brasil:
- Oferta há, mas não há rede. Apesar da explosão das fontes renováveis, a rede de transmissão nacional não acompanha o avanço;
- É o maior hub de hidrogênio do país. O Pecém tem 40 projetos em curso e já atraiu R$ 20 bilhões da australiana Fortescue;
- O impasse pode custar caro. Sem conexão até 2028, os projetos perdem acesso a R$ 18,3 bilhões em incentivos fiscais do PHBC (Programa de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono).
Vá mais fundo
Segundo apuração do NeoFeed, a Casa dos Ventos seguiu o rito técnico: entregou ao Ministério de Minas e Energia (MME) e ao ONS todos os dados entre junho e agosto de 2024 — antes mesmo da sanção da Lei 14.948, marco legal do hidrogênio verde. Ainda assim, os pedidos foram barrados. O motivo: a linha Quixadá–Fortaleza II, já sobrecarregada (e falha em 2023), está no limite.
- 1.776 MW é a demanda total dos três empreendimentos da Casa dos Ventos.
- 2032 é a estimativa de conclusão de obras que reforçariam a rede — muito tarde para aproveitar os incentivos atuais.
- 2 GW foi o pedido da Casa dos Ventos; a Fortescue pediu pouco mais de 1 GW. Ambas negadas.
Bastidores e bastonadas
- O ex-diretor da Aneel, Jerson Kelman, afirma que projetos eletrointensivos precisam internalizar o custo da rede nos seus estudos de viabilidade.
- Para o consultor Donato Filho (Volt Robotics), o Brasil ainda trata o acesso à rede “como há 30 anos”, ignorando o novo perfil de carga (como data centers e eólicas modulares).
- Luiz Barata (Frente Nacional dos Consumidores de Energia) critica o “descompasso” entre os entes públicos: “O projeto estava no radar do governo. Esperaram dar problema.”
E agora?
O MME solicitou ao ONS a reavaliação técnica para tentar abrir espaço na rede. Se isso falhar, restará apenas a ampliação da transmissão — e, com ela, o atraso.
“Os empreendimentos devem sair na gambiarra — mais caros e atrasados”, resume Barata.
O que está em jogo
Não se trata apenas de um entrave técnico: a credibilidade do Brasil na transição energética está em xeque. A vitrine verde do país virou espelho rachado — e o investimento global está olhando.