A singularidade dos desvios civilizatórios; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Tome, doutor, esta tesoura
e corte a minha singularissima pessoa
Augusto dos Anjos – Budismo Moderno

Senti a aproximação do jovem. Esperávamos ser atendidos em uma padaria. Ele incorporara com certo requinte casual as suas singularidades, no vestimento, nas tatuagens ostensivas, sinais visíveis de uma identidade elaborada. Por certo, associara-se a uma dessas nações que se fazem notar pelas suas diferenças e por certas semelhanças incomuns.

Discreto, não fora a moldura de uma encadernação inusitada, foi atendido e saiu com o mesmo ar de enfado que o trouxe ao balcão da confeitaria.

A singularidade, estranha compulsão por mostrar-se diferente, não é um traço novo entre criaturas que tanto se esforçam em perfilhar uma forma distinta de identidade. Muitos desses trânsfugas em persistente empenho de mudança procuram distinguir-se pelo gestual, pelo modo de vestir, pelos adornos, na fala e atitudes sinuosas — outros, pelas ideias.

A singularidade que os seduz é construída por um diferencial marcante e impositivo. Assemelha-se a um processo estudado de transformismo ou mimetismo social.

Esse misterioso instinto para a singularização, aparentemente compulsivo, em pessoas desvalidas de auto-controle, ganha projeção maior entre intelectuais ou pessoas motivadas pelo contraditório dialético no plano das ideias.

Com o tempo, esses atores vão-se tornando especiosamente senhores de opiniões igualmente singulares.

A força de um imaginário singular, até então adormecido, desperta novas demandas e entendimentos inusitados sobre questões aparentemente inócuas.

O desejo de refundação de valores consagrados, a descoberta de veios inexplorados alimentados por uma surpreendente imaginação torna tudo ao nosso redor, obsoleto, pronto para ser desconstruído.

Essas ondas “refundadoras” surgem de tempos em tempos como consequência de um profundo questionamento de valores, ao fim da primeira e segunda grandes guerras. Agora , despontam na Califórnia, pela grafitagem cuktural de Gramsci ou por conta da revolução cultural de Mao, nos bancos da Sorbonne e na alegria esfuziante do orgulho de gênero que toma conta das paradas em todo o mundo.

Surgem bancadas de forte apego singularizadores , entre “wokes” e “queers”, minimalistas assumidos empenhado na construção de um novo vernáculo e de uma nova sociedade.

A civilização, conforme a ideia que, justa ou injustamente, fazemos deste processo, é um feito/fato em constante e permanente mudança, desvalido da força de inércia que contenha os seus arroubos de renovação. De desconstrução para os conservadores; de construção para os progressistas.

O processo civilizatório opera-se paradoxalmente pelo vetor “guerra”, o mais eficiente fato ou ocorrência, de mudança entre os humanos.

As religiões impõem-se pelas armas e pelo medo, raramente pelas razões da fé. Os Estados formam-se a golpes de espada, em nome de duvidosas intenções…civilizatórias. As ideias transformam-se em armas singulares e fatais. As ideologias emprestam às ideias a força de uma predição do Oráculo de Delfos. São capazes de construir por simples e confirmada credulidade a revelação em fatos significativos. Singularmente significativos.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

O roteiro de conversas e articulações que aponta Ciro candidato no Ceará

O que você precisa saber sobre a venda da Unifametro para o grupo que controla a Estácio

Disputa entre Ceará e Pernambuco derruba comando da Sudene e escancara guerra por trilhos e poder no Nordeste

Guararapes, Cocó e De Lourdes têm a maior renda média de Fortaleza. Genibaú, a menor

Moraes manda Bolsonaro para prisão domiciliar após vídeo em ato com bandeiras dos EUA

Paul Krugman: Delírios de grandeza (de Trump) vão por água abaixo

Pesquisa AtlasIntel: Crise com Trump impulsiona Lula e desidrata Bolsonaro

Torcida brasileira pode ficar fora da Copa de 2026 nos EUA

Exclusivo: placas de aço produzidas no Pecém fora da lista de exceções de Trump

Reagan vs. Trump: Quando a direita acreditava no mercado, não na ameaça

Levitsky: Trump usa tarifas como arma pessoal e ameaça global à democracia

GLP-1 no Brasil: promessa de milagre, preço de privilégio

MAIS LIDAS DO DIA

O visitante da noite; Por Gera Teixeira

MP dos data centers abre caminho para projeto do TikTok/Casa dos Ventos no Ceará

Pesquisa: Lula abre vantagem no 2º turno e testa forças contra Bolsonaro, Tarcísio e Ratinho

Uma simples opinião; Por Gera Teixeira

PF indici​a Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro por tentativa de golpe

Congresso instala CPMI para investigar fraudes no INSS

Cesta básica em Fortaleza sobe 0,41% em julho e chega a R$ 738,09

Guerra do gás no Pecém: CADE impõe limites a gigantes e dá fôlego a player cearense

Alexandre de Moraes sem Visa, só com Elo