Conversão; Por Lúcio Alcântara

COMPARTILHE A NOTÍCIA

As conversões, sobretudo as religiosas, costumam acontecer de chofre graças a uma espécie de revelação que faz brotar a fé no espírito tocado pela mensagem divina. São Paulo, a caminho de Damasco, é o exemplo clássico dessa forma súbita de iluminação fervorosa mensageira de uma nova crença.

Comigo tem sido diferente. Amadureço lentamente ao longo do tempo a minha conversão. Calma, não se trata de religião. Continuo católico, fiel à Igreja Católica Apostólica Romana. A mudança se processa no terreno movediço da política. Nada de pessoal, muito menos relacionado à atual quadra eleitoral.

Começo a pensar se conviria, para o bem da nação, rever minha posição quanto ao sistema de governo mais adequado ao Brasil. O artigo 2º do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais determinava a realização de um plebiscito visando definir a forma e o sistema de governo a se instalar no país, tendo em conta o relevo da decisão e a existência de diferentes correntes de opinião em que se dividia a Constituinte e a população. Nada mais democrático do que entregar a decisão ao povo.

Assim aconteceu. A forma de governo vitoriosa foi a República, e o sistema o Presidencialismo. À época, me envolvi ao lado de Leonel Brizola e Marco Maciel na campanha presidencialista por estar convicto de que o desprestígio popular não permitia acolher o Parlamentarismo, regime no qual os partidos são fortalecidos e o Parlamento elege ou homologa o Primeiro Ministro que, em seu nome, de fato governa. Além do mais, o Estado brasileiro, organizado sob a forma de Federação, concede aos entes federados autonomia que impõe dificuldades para adoção do Parlamentarismo. Seria o caso de estabelecer também o Parlamentarismo nos estados?

A Constituição de 1988 desconcentrou o poder para a execução de políticas públicas de saúde, educação etc., pelos estados e municípios. Paradoxalmente, assistimos a uma crescente concentração de receita e restrições fiscais nas mãos da União, o que acabou por reduzir substancialmente a autonomia estadual. Os últimos anos têm se caracterizado por um progressivo avanço do Congresso Nacional na partilha de recursos orçamentários destinados à execução de obras e serviços por parte de estados e municípios, em prejuízo do executivo federal, a quem compete gerir o país no seu todo.

Enquanto o Executivo é cobrado pela solução de problemas, vê definhar todos os dias os meios de que dispõe para desempenhar o papel constitucional que lhe cabe. Enfim, o Congresso acumula recursos, pulverizando-os sem a responsabilidade de acudir às necessidades do país mediante uma macro visão nacional que decorra de um planejamento integrado a ser executado no tempo e no espaço. A partilha da gestão dos recursos exige uma divisão de responsabilidades entre o Parlamento e a Presidência, que a Constituição previu conviverem independentes e harmônicos junto ao Judiciário.

Não acredito que nossa histórica formação política, consolidada desde o advento da República, admita adotar o Parlamentarismo na sua forma clássica; tendência agravada pela experiência parlamentarista improvisada, imposta a guisa de solução da crise instalada pela renúncia de Jânio Quadros. A expectativa reinante era para saber quando seria restaurado o Presidencialismo, o que acabou por não demorar muito, sabotado o novo regime por todos os lados.

Talvez a solução para essa penosa situação política, com inegáveis prejuízos para a nação a braços com problemas crônicos, de difícil e custosa solução, fosse o semi-presidencialismo, uma forma de parlamentarismo mitigado, tal como ocorre em França e Portugal, que melhor equilibra deveres e poderes dos dois ramos do Estado. A possibilidade de dissolução do parlamento impõe um freio às aventuras dos congressistas, receosos de se submeterem a eleições antecipadas na vigência da legislatura.

Diante do cenário atual, talvez conviesse discutir a sério essa alternativa como forma de superação do atual quadro político e institucional de escassa funcionalidade.

Lúcio Gonçalo de Alcântara, médico, político e escritor. Foi prefeito de Fortaleza, deputado federal, senador e governador do Ceará. É membro da Academia Cearense de Letras.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Encontro de Chagas e Rueda em Fortaleza abre articulação decisiva do União

PDT fluminense sonha com Ciro para disputar Governo do Rio de Janeiro

GM vai montar elétrico Spark no Ceará: importante fato novo industrial — e ativo político para Elmano

“Vamos pra cima”: Elmano endurece discurso em meio à onda de violência no Ceará

AtlasIntel: entre criminalidade e economia estagnada, Lula vê erosão no apoio e avanço de Tarcísio

Chiquinho Feitosa reúne Camilo, Evandro e Motta em articulação para 2026

A disputa no Ceará e os passageiros do carro dirigido por Ciro Gomes

Do cientista político Andrei Roman (AtlasIntel): Lula não é favorito em 2026 porque perdeu o ‘bônus Nordeste’

Vídeo de Ciro no centrão: discurso contra Lula e aceno à centro-direita e centro-esquerda

O roteiro de conversas e articulações que aponta Ciro candidato no Ceará

O que você precisa saber sobre a venda da Unifametro para o grupo que controla a Estácio

Disputa entre Ceará e Pernambuco derruba comando da Sudene e escancara guerra por trilhos e poder no Nordeste

MAIS LIDAS DO DIA

Nordeste tira 6,5 milhões da pobreza entre 2022 e 2024

Ceará pode virar segundo maior polo de data centers do Brasil com novos projetos no Porto do Pecém

Polo Químico de Guaiúba atrai R$ 120 milhões e já emprega 2 mil pessoas na Grande Fortaleza

STF garante revisão judicial de atos de bancas de heteroidentificação em concursos

TST: Empresa é condenada por expor quadro de funcionários faltosos

Câmara dos Deputados: Comissão aprova instalação de eliminadores de ar em tubulações de água

Juiz nega prisão de Ciro e impõe restrições por ataques a Janaína

Retirada de ultraprocessados do alimento escolar é defendida na Alece

Deu no jornal; Por Gera Teixeira