
O filme “Conclave”, sob a direção de Edward Berger e com roteiro de Peter Straughan, surpreendeu o mundo com suas oito indicações à edição de 2025 da cerimônia do Oscar. Melhor filme, roteiro adaptado, ator, atriz coadjuvante, trilha sonora original, direção de arte, figurino e montagem. No centro da trama, por óbvio, a sucessão de um papa recém falecido. Tudo com bastante “política” e quase nada de “mística” ou de predestinação em torno daquele que viria a ser, no filme, o “escolhido”.
O sucesso do filme nos lembrou, entre dezembro e fevereiro, do estado de saúde de Francisco, que havia cancelado inúmeras viagens em 2024, e que punha, na ordem do dia, a temática de sua sucessão como bem mais próxima do que se pensava.
Não há como não lembrar da obra nesse dia em que o mundo inteiro é tomado pela surpreendente notícia da morte do Papa, um dia pós aparecer na Praça São Pedro para abençoar “a cidade e o mundo” (urbi et orbi) e pronunciar suas últimas palavras, que ficarão registradas para sempre.
O pontificado encerrado ontem foi, sem dúvida, o mais abertamente politizado, não no sentido de ter muita “política” (tal como a entendemos), mas no sentido de que se instaurou no interior do catolicismo uma disputa pelo legado de Francisco, com grupos considerando-o como o “menos papa dos papas” (necessitando de conversão) e outros como “o papa” (sendo a “luz” de que o mundo necessitava).
Francisco pôs o catolicismo no interior, e não acima, dos problemas do mundo contemporâneo.
Como não lembrar das imagens em que andava sozinho, rumo a uma cruz, na Praça de São Pedro quando a pandemia de Covid-19 dizimava inúmeras vidas pelo mundo, a clamar pela misericórdia divina, bem como suas recomendações de que a Igreja observasse as recomendações de isolamento, contrariando negacionistas que pediam a “volta da eucaristia“, celebrada de modo presencial?
Isso sem falar no debate em torno das questões ambientais, tema que mereceu uma encíclica sua, e da exploração financeira, discussão nada agradável para setores conservadores. Também a estes Francisco desagradou com debates, aqui e ali, surgidos a partir de declarações suas sobre a homossexualidade, passando pelo necessário acolhimento, a possibilidade de benção, apoio a legislação civil, novas configurações familiares etc. Tudo isso lhe legou acusações de ser seu pontificado um “antro” de atuação do “lobby gay”.
Os conflitos armados, com destaque para os corridos na faixa de Gaza, em que quase sempre se postou ao lado dos mais fragilizados, assim como a questão dos emigrantes, num tempo em que ressurgem nacionalismos extremados com apoio de católicos, foram tema caro à mensagem de Francisco, nebulando sua imagem frente a esses setores.
Seu pontificado viu ressurgir inúmeros grupos tradicionalistas, que não reconhecessem o catolicismo pós-Vaticano II, defendem a missa em latim (“missa de sempre“), o Catecismo de Trento (e não o de João Paulo II) e, no caso brasileiro, a “necessária” recatolicização do país.
Por isso mesmo, visitando alguns perfis católicos nesta manhã pude ver muitas congratulações do tipo “já vai tarde, papa comunista“.
Do outro lado, naquele catolicismo mais “popular”, há a certeza de que Francisco é “o” papa. Sempre nas ruas, nas dores do mundo, nas periferias, ao lado dos “vencidos” nos conflitos armados, Francisco foi o que deveria ser, como papa.
Enquanto o mundo acompanha as notícias e aguarda o funeral, os corredores do Vaticano fervem em torno da sucessão. Mais “avanços” ou um necessário e contundente recuo para dentro do catolicismo? Um papa que dialogue mais com o mundo ou um teólogo a continuar o processo iniciado com Bento XVI? Um papa que legitime a politização do catolicismo em nacionalismos extremados espalhados pelo mundo?
Um ou outro estilo escolhido deverá ser um comunicador, como João Paulo II e Francisco.
Que Francisco, depois de um intenso pontificado e de um doloroso processo hospitalar descanse com a certeza de sua missão cumprida. Os católicos, e o mundo, terão de lidar com seu importante legado.