Tenho o hábito de buscar na literatura conceitos para me ajudar a pensar sobre o que acontece no mundo. Dois livros me veem a cabeça quando tento pensar sobre a política atual. E trazer um livro de 2022 com um tema tão atual para complementar a discussão proposta ainda em 2006, achei divertido, vamos lá.
Quando trazemos os conceitos discutidos em Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia para complementar a análise proposta por Eduardo Giannetti em Vícios privados, benefícios públicos?, somos levados a uma reflexão profunda sobre os desafios contemporâneos que a política enfrenta.
A obra de Byung-Chul Han aponta que a transformação digital, enquanto promete democratizar a informação e ampliar a participação pública, também contribui para o surgimento de uma nova forma de controle social, onde o excesso de informação e a vigilância digital corroem os alicerces da democracia tradicional.
No contexto atual, a política não é apenas contaminada por interesses privados que comprometem o bem comum; ela também se vê refém de um sistema de hipertransparência que não necessariamente promove a verdade, mas sim a sobrecarga informacional e a fragmentação do discurso público. Em vez de fortalecer a participação cidadã, a digitalização tem exacerbado o populismo e a desinformação, minando a confiança nas instituições e enfraquecendo os processos democráticos.
Enquanto Giannetti reflete sobre como os vícios privados podem (ou não) resultar em benefícios públicos, Han nos alerta para o fato de que, na infocracia, a manipulação digital se torna um novo tipo de vício, que, ao invés de gerar benefícios públicos, promove uma crise de representatividade e legitimidade.
A política, assim, não apenas lida com a corrupção tradicional e a busca por interesses pessoais, mas também com um ambiente onde algoritmos e dados moldam as opiniões e comportamentos, criando bolhas informacionais e amplificando as divisões sociais.
Nesse cenário, a digitalização da política coloca novos desafios para a ideia de bem comum. A política que deveria ser um espaço de deliberação racional e ética se torna um campo de batalha por narrativas e percepções, onde o que importa não é o debate fundamentado, mas a viralização de mensagens simplistas e emocionais.
Assim, os vícios privados não mais se limitam à esfera da corrupção financeira ou do nepotismo; eles agora incluem a manipulação algorítmica e o uso estratégico de desinformação, que fragilizam ainda mais a já debilitada relação entre a sociedade e seus representantes.
Para enfrentar esse novo desafio, é necessário repensar o papel das plataformas digitais na política, criar mecanismos para combater a desinformação e fortalecer a educação digital dos cidadãos. Somente assim poderemos transformar o que hoje é uma crise de democracia digital em uma oportunidade para reformular e revitalizar o espaço público, tornando-o mais inclusivo, transparente e verdadeiramente orientado ao bem comum.
A convergência dos vícios privados da política tradicional com os novos vícios digitais da infocracia exige uma resposta mais robusta e integrada. Precisamos de um novo pacto social que considere tanto as ameaças do individualismo exacerbado quanto os perigos do controle informacional. Somente assim será possível resgatar a ideia de que a política pode, de fato, servir ao público, transformando vícios privados e manipulativos em verdadeiros benefícios públicos.
Aline Lima é psicóloga, pós-graduada em Psicopedagogia e Psicopatologia, com formação em coaching executivo. Especialista em Gestão de Negócios e Programa CEO e Programa COO pela FGV. É CEO (Libercard), liderando desenvolvimento de produtos, equipes e relações institucionais.