Orson Wells foi um ator e diretor americano que, dentre outros feitos, parou os Estados Unidos ao simular pelo rádio a transmissão de um ataque alienígena à Terra na véspera do Halloween de 1938.
Marcianos que haviam pousado na desconhecida Grover’s Mill avançaram em direção a Nova Iorque, após dizimar sete mil soldados com seus “raios de calor”. Mais desesperador do que isso, só mesmo ver o Brasil avançando para o ataque ganhando de um a zero da Croácia. Supera, Pádua.
Embora Wells tenha avisado no começo da transmissão que tudo aquilo não passava de ficção, milhares de pessoas acreditaram no que ouviram, tamanha era a força do rádio naquela época. Esse poder dos meios de comunicação de massa ocupou boa parte da vida acadêmica de psicólogos, sociólogos e estudiosos da comunicação até o início do século XXI. “Do que essa influência é capaz?”, queriam descobrir.
Hoje, com a segmentação e a diversidade de canais é difícil pensar que alguém consiga tal mobilização novamente. Os tempos mudaram e as preocupações também. O avanço das tecnologias da comunicação, a aceleração no uso da Internet das Coisas (IoT) e a aplicabilidade da Inteligência Artificial passaram a ocupar posição central nessas discussões que já deixam alguns de cabelo em pé.
É inegável que o 5G – a quinta geração de tecnologia celular – vai revolucionar a relação do homem com as telas e com as máquinas. Vem muita mudança por aí. Ao mesmo tempo, é natural que as tecnologias dos celulares se equiparem; que os pacotes de dados fiquem mais baratos e que as cidades ganhem mais pontos de wifi grátis. Tudo isso contribui para uma democratização do acesso a internet de alta velocidade e com esse acesso vêm as oportunidades, mas também os medos.
A primeira aflição e a mais natural é o desaparecimento de profissões e a perda de postos de trabalho. O que de certa forma não é uma novidade ao longo da evolução do homem e das revoluções industriais. À medida que o nível de automação aumenta, a necessidade de trabalhadores para uma mesma função diminui.
Isso já vem acontecendo, mas a previsão é que o impacto seja muito maior do que em outros momentos da história, já que o potencial de automação é a principal promessa da Internet das Coisas. Tarefas repetitivas e sujeitas a falhas humanas estão na mira não de marcianos, mas de robôs prontos para executar o trabalho com maestria.
Por outro lado, quanto mais humana for a atividade, quanto maior for a necessidade de juízo de valor, empatia e criatividade, menores as chances de desaparecer. Se você se enquadra nesse tipo de profissão, muita calma nessa hora: a previsão é que a competitividade aumente, já que as barreiras de entrada em geral têm diminuído graças também às novas tecnologias. Respire aliviado, pero no mucho.
Outro desafio apontado diz respeito à segurança e à privacidade. Por onde nos deslocamos digitalmente, deixamos as nossas pegadas. Os algoritmos rastreiam nossos passos, gravam nossos dados, o que favorece a falsificação de documentos, cartões de crédito, da nossa voz e até da nossa imagem, com tecnologias hoje bastante disseminadas e comuns até.
Deepfake, por exemplo: você pode trocar o rosto de pessoas, emular a voz, fazer sincronismo labial e de expressões faciais, tudo por meio da Inteligência Artificial. Como provar que determinada voz não é a sua, se é idêntica e reconhecida por todos como se fosse? Como provar que não era você ali naquele vídeo falando mal da sua querida sogra se tem o seu rosto e a sua voz? Pensando bem, pode ser um álibi.
Há mais pontos a serem debatidos, alguns até mais apocalípticos: “as máquinas poderão no futuro subjugar ou exterminar os humanos?”. Outros são mais práticos, como o “text neck” ou a “Síndrome do Pescoço de Texto”, uma dor na região do pescoço devido à inclinação da nossa cabeça para leitura no celular. Ei. Ajeita a postura.
Por último, e talvez a questão prática mais importante seja a supressão cognitiva. Ou seja, a diminuição do ato de pensar, substituído por respostas prontas obtidas em milésimos de segundos. A automatização de tarefas mecânicas é algo que as máquinas já vinham fazendo há pelo menos um século para nós, mas a automatização de tarefas cognitivas com elevado grau de sofisticação é uma novidade.
O que distingue o ser humano dos outros animais é a capacidade de pensar, de discernir, de tomar decisões, de contrapor, de acertar, de errar. O erro é, inclusive, uma forma – muitas vezes dolorosa – bastante eficiente de aprendizado. As máquinas estão suprimindo essa capacidade, e os resultados já começam a aparecer em estudos sobre retardo no aprendizado de crianças expostas em excesso a telas.
A “Era da Abundância” nos coloca à mão o filme, a música, o endereço, o livro, a curiosidade, a solução do teorema, absolutamente tudo que buscamos num piscar de olhos. É capaz até de gravar você falando em um idioma alheio sem qualquer sotaque. Só não é capaz de fazer você aprender a nova língua.
É impossível saber os impactos que essa nova revolução trará para a vida como um todo em 2, 5, 15 anos. Por outro lado, é ponto pacífico que ler bons livros, suar para aprender um novo idioma, penar para tocar um instrumento musical, memorizar um poema ou resolver um problema de álgebra nos mantém humanos e segurando as rédeas dessa transformação. Talvez seja por isso que os gurus das novas tecnologias controlam o acesso dos filhos – ora, vejam só – às novas tecnologias.
Das ameaças listadas, essa é a mais letal, mas também sobre a qual temos mais controle. Que façamos então um bom uso da inteligência artificial e tudo mais que estar por vir. Mas sem deixar de lado o que nos fez chegar até aqui: a nossa inteligência não-artificial.
Três perguntas para mexer com seu juízo:
1. Que tipo de medidas a sua empresa toma para proteger dados e informações do negócio?
2. Que tarefas do dia a dia você elege fazer de forma analógica, sem o aparato da tecnologia, como forma de exercício mental?
3. De que forma as novas tecnologias se integram ao seu trabalho para gerar valor e não concorrência?