Vivemos tempos em que a lógica do mercado não apenas orienta o consumo de bens, mas invade a intimidade das emoções, sequestra a autoestima e transforma o “ser” em “parecer ser”. Como observa Zygmunt Bauman, “likes não são afeto. Seguidores não são laços”. Ainda assim, essa é a métrica dominante do valor pessoal. Tornamo-nos produtos de nós mesmos. E quanto mais performamos, mais visíveis somos. Mais vendáveis. Mais viciados.
O que chamamos de identidade passou a ser moldado pela vitrine digital — uma espécie de currículo emocional que exibe não quem somos, mas o que desejamos que os outros vejam. E nesse teatro de vaidades, o ego se torna moeda.
Como afirma o filósofo Luiz Felipe Pondé, vivemos numa cultura que substituiu o silêncio da interioridade pela algazarra da exposição.
Esse cenário não nasceu por acaso. É filho de uma sociedade que dissolveu os vínculos profundos, substituindo-os por conexões fugazes e descartáveis — a “modernidade líquida” de Bauman. Ao invés de pertencermos, nos vendemos. Ao invés de nos conectarmos, nos promovemos. Likes viraram anestesia social, o aplauso é o novo abraço, e a exposição, o novo afeto.
Mas o que estamos perdendo nesse processo? A resposta talvez esteja na pergunta incômoda: quando foi a última vez que você se sentiu inteiro sem postar nada?
A cultura do narcisismo — tão bem analisada por Christopher Lasch e mais recentemente repensada por autores como Pondé — não é só sobre vaidade. É sobre a angústia de não ser visto, a dependência da validação externa, a fragilidade de um “eu” que só se reconhece no reflexo do olhar alheio.
O narcisismo contemporâneo é digital, é ansioso, é monetizável. Ele opera como um mercado de atenção, onde a vulnerabilidade é o novo marketing, e a dor, quando bem editada, é capital simbólico. A consequência disso é uma epidemia de exaustão emocional, ansiedade de performance e uma profunda desconexão de si.
Recuperar-se disso não é simples. Exige silêncio. Exige presença. Exige a coragem de habitar a própria vida sem a necessidade de transmiti-la o tempo todo.
Como lembra Byung-Chul Han, precisamos reaprender o valor da contemplação, da não-performance, da experiência não-curada.
Mais do que nunca, resistir é desobedecer à lógica do palco. É reaprender a ser inteiro fora da cena. É se desconectar não do mundo, mas da obrigação de estar sempre conectado a ele. E, quem sabe, encontrar paz justamente no intervalo entre um post e outro.
