Há alguns anos, em um dia dedicado a entrevistar figuras do cinema cearense, entrei prematuramente em uma sala do Dragão do Mar, em Fortaleza, para conversar com Karim Aïnouz, diretor de Céu de Suely e Madame Satã. Naquele momento, presenciei o início de uma apresentação de roteiro, e o diretor, de imediato, solicitou a minha retirada.
Poucos minutos depois, com uma elegância tipicamente nordestina, Aïnouz explicou que me afastou pois desejava manter o texto daqueles alunos em segredo, pois considerava a história boa demais para ser revelada.
Confesso que, vez ou outra, quando lembro desse acontecido, me pego pensando nesse trabalho que foi guardado com tanto zelo: “Que filme era aquele? Será que os estudantes do Porto Iracema das Artes conseguiram concretizar a obra?”. Devaneios…
Embora essas perguntas sejam secundárias agora, gosto de recordar da dedicação do diretor em ouvir novas aventuras com tamanha atenção, quase como se estivesse em um templo. Naquele momento ele não queria ser interrompido, ele apenas queria chegar na conclusão.
Com Motel Destino, Aïnouz exemplifica perfeitamente o que vivenciei: ao escutar atentamente outras possibilidades narrativas, é possível, sim, criar algo verdadeiramente original e surpreendente, muito além do que normalmente consumimos. Assim foi para mim ao assistir este seu novo filme, que me desafiou constantemente com seu estilo e imprevisibilidade.
Noir Tropical
A trama gira em torno de um jovem que foge de uma gangue mafiosa após não conseguir realizar um trabalho pelo qual seria pago. Refugiado em um motel, ele pede emprego aos proprietários e se envolve com a esposa do dono, que o vê como um confidente.
A partir disso, o protagonista de Motel Destino se depara constantemente com situações complicadas, como se precisasse delas para viver. Apenas envolvido pela iminência da morte, o personagem, interpretado com maestria por Iago Xavier, se sente mais vivo.
Entretanto, Heraldo, o herói do filme, não é tolo; ele sabe o que deve fazer para sobreviver, mesmo que cometa erros próprios da juventude. Sua euforia, irresponsabilidade e impulsividade são evidentes, mas sua capacidade de refletir e seguir em frente quando necessário destaca-o como um dos protagonistas mais complexos de 2024.
Felizmente, não apenas o nosso jovem brilha, uma vez que todo o elenco demonstra uma sagacidade e naturalidade impressionantes em suas interpretações. Fábio Assunção, diga-se de passagem, exibe um talento inestimável. Inicialmente, revela-se como um homem elegante e confiável, mas, em seguida, mostra um caráter intimamente duvidoso. É ótimo assistir esse ator trabalhar.
É uma atuação que deixa uma marca, mesmo após os créditos subirem. Inclusive, se for para apontar um defeito do filme, seria justamente a falta de alguns minutos dedicados à sua trajetória. É um personagem rico demais para aparecer e desaparecer com tanta rapidez.
Dito isso, Motel Destino é um filme que transborda sensualidade, combinando elementos noir com referências a clássicos do cinema, como O Poderoso Chefão, Pink Flamingos, Mad Max e à pornochanchada da época da ditadura militar, onde o sexo influenciava as ações dos personagens (isso não é um demérito).
Motel Destino é um exemplo brilhante de que ainda temos muitas tramas originais e elegantes a serem contadas. Sem recorrer ao “fast food” das refilmagens ou adaptações literárias, ainda é possível desfrutar de narrativas sofisticadas e bem elaboradas. E, sem dúvida, essas aventuras estão sendo contadas aqui mesmo, no Ceará.
Agradeço ao Karim por ser um bom ouvinte. Já estou ansioso pelas próximas contações de histórias.