O ser e o nada, a culpa e a inocência; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

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São as palavras e as fórmulas, mais do que a razão, que criam a maioria dos nossos julgamentos, Gustave Le Bon – “Aforismos dos tempos presentes”, 1913

Há alguns temas e assuntos menores que se tornaram privativos de certos círculos de “intelligentsia”.

Isaiah Berlin refere-se a “intelligentsia” como um grupo de pensadores que se veem a si próprio em oposição a um regime irracional [Isaiah Berlin – The sense of reality”, 1996].

Prefiro designar com essa honorável marca certos grupos intelectuais que se matricularam disciplinadanente no balcão de ideologias de maior prestígio e ali batem ponto e respiram o ar puro da verdade. São criaturas dotadas de uma refinada percepção das causas e dos seus efeitos. São pensadores de merecimento e reconhecida persistência.

Salvos pelas suas convergências gregárias, encontram proteção e celebração entre os da mesma estirpe ideológica. No mais das vezes, há cerca de 100 anos, integram as hostes de um totalitarismo de esquerda e, por vezes, de direita.

Os juristas, advogados e qualquer bacharel com um pós-doutorado carimbado em Coimbra, compõem essa confraria ilustre. Há, certamente, outras castas nobres, as criaturas de ciência, matemáticos, físicos e teólogos que vivem nos territórios inalcançáveis das leis, da teoria, dos teoremas da razão e das presunções da fé.

Por acaso, fiz-me bacharel e não fora a minha reconhecida limitação para os árduos exercício da exegese e das lides dos tribunais, poderia, pelo menos, ter exibido alguma ilustração além do anel de formatura. Lustosa da Costa, estudante de direito, como eu, acreditava, de posse de alguns tropos latinos, colhidos no campo de ensinamentos do mestre Eleazar Magalhães, que nos faltava o essencial para sermos, ele e eu, advogados. Nunca discuti as suas razões para a sua condenação definitiva da nossa improvável vocação, mas creio que ele estava certo.

O pouco que guardei da minha cultura de bacharel, devo-o a lentes prestimosos e diligentes, não merecem arcar com a culpa por essa caridade. Cito alguns deles: Luiz Cruz de Vasconcelos, Miramar da Ponte, Heribaldo Costa, Fran Martins e Paulo Bonavides. Talvez houvesse mais deles que devesse mencionar. Talvez.

Pois bem, a justiça realiza-se com base nas questões de mérito e nos condicionamentos do processo. Já estou entrando em seara alheia, sem pedir permissão a quem de direito, sem pedágio pago a posar de rábula astucioso. Não vá o sapateiro além do sapato.

A denúncia e a apuração dos fatos ilícitos ou criminosos que as qualificam seguem procedimentos formais quanto a foro, prazo e providências judiciais e forenses, assim posso exprimir-me sem cometer impropriedade de linguagem. O mérito, a natureza da falta apurada leva à formulação da sentença e a condenação ou a absolvição do réu. Já o processo atende às regras de procedimento capituladas nos códigos processuais, dispõe sobre tramitação, , precedências, prazos, apreciação em plenário, voto e questões associadas a eventuais recursos de instância.

Os procedimentos parlamentares seguem caminho similar, apesar dos desvios políticos tidos como normais, dignos e até justos, razoáveis e salutares…

Natural poderia parecer que as questões de mérito estivessem acima dos procedimentos processuais. Moral e teoricamente sim, não fosse o funcionamento da máquina judiciária e o aparato forense. A tecnicalidade que revestia as regras do processo, a materialidade das provas produzidas e as ressalvas que coubessem no andamento da matéria a ser julgado, mostraram-se com frequência suscetíveis de intervenções da autoridade ou do prestígio das partes litigantes. Não por outras razões, ainda que as houvesse, os procedimentos processuais vieram s ganhar, com o tempo, extraordinária força sobre a prestação da justiça, retirando das questões substantivas de mérito, a sua preponderância sobre a matéria pista em julgamento.

Curiosamente, a força e a precedência dos regramentos processuais ganharam projeção sobre as questões de mérito nos sistemas judiciários nos quais se processasse, com maior frequência a demanda pela prestação de justiça. Em outras palavras, sistemas judiciários, em países culturalmente menos desenvolvidos, combinariam, com a demanda mais pronunciada por justiça, exposição maior a inteferências de prestígio político e de agentes influentes sobre a causa sob julgamento.

Nos julgamentos políticos que, de uns tempos para cá, dominaram a pauta do nosso Excelso Pretório, arrancando decisões severas umas e indulgentes outras, percebe-se a importância dos procedimentos processuais sobre as graves questões de mérito, o relevo de provas inconclusas e de culpabilidade não formada em torno de acusações e suspeitas sobre questões e solertes atentados à ordem constituída. As decisões de mérito esvaem-se, nestes casos a exemplo de muitos outros, em conjecturas teóricas complexas e inusitadas formulações sobre provas, circunstâncias e cenários e de embargos e circunlóquios jurídicos sedutores para o restante dos bacharéis que vivem neste solo gentil…

Mais tivesse a declarar, fá-lo-ia agora, sem postergações…

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

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