“O brasileiro tem paixão pelas viagens e por automóveis. Com reservas mínimas de economia, passa uma década inteira para reunir um dinheirinho para comprar um Fiat-Uno. Quando completa o capital de giro necessário, dá entrada em um consórcio para adquirir uma Hilux em 40 prestações”, Reflexões de um economista do contra.
Sobre brasileiro-turista. Este é um tema do qual já me ocupei. Desafio recorrente. Em tantas desobrigas que fiz, turísticas umas, bolsista a muitos títulos, em missões acadêmicas, outras, conheci em todas as suas variantes o turista brasileiro. Ou melhor dizendo, o “brasileiro-turista”.
Explico-me pelo trocadilho. Turista brasileiro é alguém que, munido de passaporte e cartão de crédito, segue os impulsos ancestrais de “globe-trotter”. Já brasileiro-“turista”, é uma categoria. Espécime invulgar de navegante e descobridor que parte em ruidosas manadas a contrapor suas preferências às dis outros. Em New York, elogia Paris. Em Paris, elogia Berlim. Na Rússia, exalta as suas ligações afetivas com o capitalismo. Em Washington fala de bem de Maduro, do “bolivarianismo” e das grandes mudanças civilizacionais da China. Um “espirito-de-porco” bem azeitado. Autoridades há, as que se abalam das suas cátedras, arrancam as togas e em monocultura linguística própria, cultivadas, mostram os novos caminhos da teoria jurídica. E das práticas correspondentes.
Este caminhante de trilhas tortuosas e desconhecidas — o turista brasileiro — é um espécime Incomum que prolifera, em geral, abonado em moedas fortes, e extremamente engenhoso para burlar os oficiais alfandegários…
Pretendo voltar ao tema, armado, agora, com minha expertise de meio século de andanças por aí. Porém, não é das minhas aventuras que me ocuparei, mas dos meus encontros fortuitos com brasileiros ao redor do mundo.
Antes de pôr-me de andarilho, com o pé na estrada, batendo o pó de trocas de vôos e trens, nas esperas em filas da alfândega e nos “bureaux de change”, li o que pude sobre terras alheias. De Jules Verne, com a sua “volta ao mundo em 80 dias”, às “cidades invisíveis”, de Ítalo Calvino, sem esquecer Berlim, “agora”, de Peter Schneider… Mais: a Odisseia, com a viagem de Ulysses e a Odisseia, com a fuga de Eneias de Tróia. Desvalidos de mapas, gregos e troianos recorriam a “itinerários”, como hoje recorremos aos guias de viagem e às agências de turismo.
Lustosa da Costa, meu companheiro de viagem, iniciou a carreira de turista acidental numa excursão de cearenses, aboletado em um ônibus que o levou por toda a Europa, subindo de Lisboa vencendo os Alpes, as lonjuras da Escandinávia e o Peloponeso. Quilômetros e milhas a rodar, com o mesmo veículo, o mesmo motorista e a mesma guia portuguesa, pois não, com certeza. Sentado no mesmo assento da janela, do lado direito de quem vai e de quem volta:
“Conheci toda a Europa Ocidental — nas só o lado direito!”, desabafou certa feita, em um interminavel vôo Lisboa-Recife, como estivéssemos de regresso a Itaca…
O gênero viagem está esgotado, por exaustivo, e as narrativas que registravam o fôlego dos estradeiros, os “slides” de uso extensivo daqueles tempos, e os celulares, tornaram-se impertinentes e chatos.
Sou do tempo quando os recém-chegados das longas travessias, os “botas-de-sete-leguas”, reuniam os incautos para lhes fazerem ouvir e ver as intermináveis lembranças guardadas e as compras recentes, os “kits” da modernidade, relógios de bateria, câmeras fotográficas e as tralhas da moda… As cadeiras distribuídas pela sala acolhiam a plateia a golpes de uísque e alguns “amuse-gueule” convidativos.
O turista brasileiro, por aqueles tempos, quando se transformava, pelas asas da Varig, em um “brasileiro-turista” era inconfundível. Andavam de magote, exibiam o charme monoglota sem acanhamento, era como se lançassem o grito primal do seu patriotismo originário em pleno Champs-Elisées.
Alegria de exportação era a bagagem que transportavam, indiferentes aos cenários percorridos, impregnados de história que pouco lhes interessava descobrir. Tudo fazia lembrar com saudade o seu país, o Brasil; aqueles franceses impertinentes e de azedume à mostra eram desprezíveis.
Um amigo com quem compartilhei longa temporada parisiense relatou- me, como discrição, como pisara em terras da Europa pela primeira vez, em uma excursão de jovens como todos fomos um dia, na companhia de audazes brasileiros. Em desespero, um dos companheiros de viagem pusera-se a queixar-se de tantas visitas a catedrais, monumentos, jardins e “boulevards”: “Já não aguento mais! Eu quero é comprar!”.
Brasileiro fora de casa, em viagem de recreio, incorpora sentimentos patrióticos insuspeitados — era assim, antigamente, não sei se continua a ser hábito — não poupa os habitantes locais, descobre os seus defeitos, de logo, e os aponta e deles reclama a todo instante.
Uma amiga, já de retorno ao Brasil, reconciliada com o mundo, de volta ao porto de embarque, salva da civilização, cercada de amigas que vieram ouvir os seus relatos de brasileira-turista, tropeça na narrativa e telefona a uma amiga, companheira de excursão:
“Minha querida, nós fizemos a Suíça ?”
