
A designação de “oligarca” ganhou conotação nova, com o surgimento de uma nova classe de notáveis na Rússia.
A palavra sofreu um banho semântico e já não significa grupo ou círculo familiar de lealdades confirmadas, que se mantêm no poder.
Conhecemos no Brasil, durante todo o período republicano, essas relações políticas incestuosas que, surpreendemente, sobreviveram e chegaram aos nossos dias, com uns toques sofisticados de modernidade.
A palavra oligarca designa, agora, uma relação firme de lealdades e cumplicidades entre notáveis do setor privado, acumuladores de capital, empresários, que desempenham papel relevante no duo público-privado. Oligarcas são, a seu modo, os agentes públicos servidos de mandatos ou cargos, nos quais revelaram
a vocação ancestral para as artes do governo e da política.
A fórmula não é nova nos países de cultura capitalista. É nova na Rússia e na China, países que deixaram as regras estritas de uma economia dirigida para assumirem as características ambíguas de uma economia capitalista de Estado.
No Brasil, como nos países do terceiro mundo que perseguem uma travessia lenta, porém perseverante, entre velhas estruturas sociais e políticas, o oligarca sempre existiu. E continuará a existir, embora privado da sua incultura de origem, agora doutor titulado por uma dessas numerosas usinas públicas ou privadas de fabricar bacharéis, trilha por onde se esvai o dinheiro bem ou mal ganho dos contribuintes.
Essa figura distinta travestiu-se, em todas as repúblicas proclamadas, em grande proprietário rural, fez as vezes de chefe politico e de parlamentar, ocupou postos e cargos no governo, enriqueceu nas lides do empresariado e fez seus protegidos enriquecerem e possibilitaram os seus protetores, no governo, a preservar o poder e os recursos politicos de que se serve com maestria.
O oligarca não distingue esquerda de direita, salvo nas regras do trânsito. Por essa razão, brotaram tantos oligarcas socialistas, reformadores e até radicais, astutos observadores das tendências que emanam dos corredores de Brasília. Essa criatura diverte-se com a ideia de um “centrão”, modelo democrático de uma República semipresidencialista, como propõem os pachecos que pousaram em revoada entre nós. Esse largo espaço “inter femuris” assemelha-se a um saco sem fundo no qual se acautelam todos os velhos interesses republicanos. Ainda assim, o oligarca se amarra nisso que os intelectuais chamam de populismo.
Onde estão os novos oligarcas brasileiros, como exercem o seu poder, como adquiriram os recursos políticos que justificam o poder e a influência que detêm, por concessão indulgente ou simples cumplicidade?
À primeira vista, os oligarcas estão entre nós; são encontradiços como dirigentes e proprietários da mídia, cultivam amizades úteis, são, via de regra, concessionários de serviços públicos, estão entranhados em agências públicas, reguladoras de normas de grande interesse econômico ou nelas enfiam os seus protegidos. Imiscuíram-se no Congresso, eleitos sabe Deus como; fizeram-se atores temidos no teatro da magistratura; são conselheiros de governantes obedientes, dos que não guardam espinhos nos ouvidos.
Oligarcas, os há de vários tipos e especialidades. Exercem tarefas delicadas para as quais poucos figurantes se mostram dotados da necessária habilidade e de imprescindível sangue frio.
De um modo geral, o oligarca brasileiro foge dos holofotes da curiosidade pública. Age à sombra para que possa, com liberdade, regressar, se necessário, ao cenário de crimes esquecidos.
Não interessa ao oligarca consciente das suas habilidades o ouro dos pastores, esses mesmos oligarcas, justamente confiantes na infalível graça divina. Todavia não ignora o seu valor. Anseiam pelo poder, motivado mais pelo prestígio, pelas virtudes que permitam que seja conhecido e reconhecido graças às suas boas obras. Cuida com indulgência e magnanimidade dos seus protegidos, afinal, o zelo pelas virtudes da lealdade e da proteção são o elo mais forte dessa relação weberiana…
De um modo geral, o oligarca é uma criatura generosa, temente a Deus e aos dogmas que confessa obedecer. Esquece agravos e ofensas, mas não esquece o nome de quem lhos causou.
Perdeu o ar amatutado dos chefes políticos de antanho, carregados de interesses miúdos municipais e das mágoas de rusgas ancestrais. O oligarca não olha para o passado, não avalia, tampouco mede consequências. Contabiliza favores, soma e subtrai benefícios e perdas. É uma máquina registradora de receita e despesa da arte da politica.
O oligarca, em geral, descrê da força da lei e das suas consequências. Confia no convencimento que lhe basta da capacidade de exercer influência sobre as pessoas certas.
Chico Heráclio, poderoso chefe político nordestino, era um cidadão prestante e pensador experiente, hábil conhecedor dos subterfúgios da política. Foi, a seu tempo, um oligarca, cuja força exerceu pelas artes do bacamarte e nas sinuosas dobras de relações privilegiadas nos beirais do Estado. Distinguia as leis, no Brasil, entre “leis duras ” e “leis moles”. As moles, dizia, “a gente passa por cima”; as duras, “a gente passa por baixo”.
Improvável, contudo, que o oligarca conserve, entre os novos personagens políticos urbanos, os traços da fisionomia de sertanejo piau, do qual nos chegaram os traços de uma saga de feitos memoráveis. Dessa figura remota, sobreviveram, no entanto, lembranças risíveis, guardadas pela memória popular. Destas que gostamos de ouvir e contar, a propósito:
Um secretario de justiça daqueles tempos distantes comparece a um ato político em uma cidade afastada do interior cearense. A sala, tomada por chefes políticos e cabos-eleitorais. Seguiram-se os discursos das autoridades locais. Ao fim, a fala do secretário, representando o Interventor (eram tempos do Estado Novo, demasiadamente novo, sobretudo para aqueles tempos).
Concluídos os atos, atravessa a sala, passos firmes, um velho coronel, gordo e poderoso, estende a mão ao secretário e o cumprimenta calorosamente:
“ — Como vai, governo?”
Já não se fazem oligarcas como os de antigamente.