“A verdadeira liberdade não está em fazer o que se quer, mas em saber o que se deve fazer.” (Roger Scruton)
Há quem mate por medo ou impulso. Mas há também quem mate por gosto. Pela sensação de poder absoluto que só o disparo concede. Não é defesa nem urgência — é domínio. O corpo caído se torna símbolo de soberania. É nesse gozo sombrio que mora o verdadeiro horror.
O problema da violência no Brasil ultrapassou a estatística — e isso eu afirmo não como analista distante, mas como Promotor do Júri. O homicídio doloso banalizou-se também nos tribunais. Réus entram no plenário sem culpa, sem arrependimento — apenas com a frieza de quem sabe que o processo será lento, a pena fracionada e a execução demorada. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que autoriza o início do cumprimento da pena logo após a condenação pelo Conselho de Sentença, é um grande passo para estancar esse sentimento de impunidade que corrói a confiança na Justiça. Mas ainda é pouco. O sistema, apesar do avanço, continua com sua lentidão — e, com ela, beneficia o criminoso.
Em muitas cidades brasileiras, como São Paulo, portar um simples celular em plena luz do dia tornou-se um ato de risco. O objeto, aos olhos do criminoso, não é mais um bem — é um direito seu por imposição da violência. Pouco importa se a vítima reage ou não: pode levar um tiro mesmo assim. Quem dita a sentença é o celerado. É ele quem decide se alguém vive ou morre, como se fosse dono da rua, do tempo, da impunidade.
Em Fortaleza não é diferente: quem denuncia o crime vira alvo. O assassinato de duas jovens criadoras de conteúdo na Barra do Ceará escancarou os riscos enfrentados por quem ousa dar voz às feridas das periferias. A tragédia calou vidas promissoras e reforça a urgência de proteger aqueles que transformam dor em denúncia pública. Aqui, o Tribunal da Morte não para. No Rio de Janeiro, além do domínio do tráfico e das milícias, balas perdidas completam o massacre cotidiano.
Enquanto isso, os delinquentes juvenis, protegidos pelo inofensivo Estatuto da Criança e do Adolescente — o ECA — matam por diversão. A lei menorista transformou a delinquência jovem em um verdadeiro parque de diversões. Com penas brandas — no máximo três anos de internação nos atos mais brutais — os menores infratores aprenderam cedo que a lei brasileira é apenas uma ficção para os inocentes e uma concessão indulgente para os criminosos. Eles sabem que dificilmente serão punidos — e por isso voltam a matar, rir, ostentar. A doutrina da proteção integral virou um salvo-conduto para o crime juvenil, enquanto o direito à vida do cidadão comum tornou-se artigo de ficção. E o Estado, omisso e enfraquecido, assiste à multiplicação dos mortos.
Quando matar se torna um gesto banal, o mundo se esvazia de sentido. Quando a justiça não chega, a maldade aprende a sorrir. E quando sorrir passa a ser parte do disparo, então já não falamos mais de crime, mas de culto — o altar macabro de quem vê na morte alheia um espelho de sua própria soberania.
Matar virou passatempo. E o sangue virou narrativa. Mas a morte — essa sim — continua definitiva.
Walter Pinto Filho é Promotor de Justiça e autor dos livros “O Caso Cesare Battisti – A Palavra da Corte” e “A Lâmina que Corta”.