Abro, curioso, para uma visita a leituras antigas “Os Livros e os Dias”, de Alberto Manguel.
Defronto-me, nas primeiras páginas, com as amargas lembranças, em dolorosa prosa de memórias guardadas de uma visita de Manguel à Argentina.
Recolhido a um pequeno vilarejo francês pelos caminhos da Provence, apegou-se à tranquilidade do lugar e aos hábitos simples dos seus moradores. Ali,ocupa-se do prazer sedutor de viver em estado maior de simplicidade e aconchego, entregue às leituras e a uma persistente atividade intelectual.
Não são poucas as criaturas urbanas que se refugiam da esquizofrenia dos filhos das “urbs”. Dos que tentam escapar da coletivização das “antropotecas”, “gulags” a que as pessoas se auto-condenam, “sponte sua”, por cordata aceitação. Não que o façam enfiados na pele de missionários, entregues à salvação da natureza e do planeta, movidos pelos impulsos ecológicos que transformam o culto da natureza em dogma e na crença obstinada de uma missão.
Neste diário de leitura, Manguel registra as impressões que lhe causou Buenos Aires, sufocada com a crise de 2001, em um desses momentos de desalento trazidos pelos governos do peronismo que se abateu sobre a Argentina. Em uma dolorosa narrativa fala dos “cartoneros”, os miseráveis que recolhem o lixo das ruas para sobreviver ao desemprego e à fome. A essa turba de desvalidos Manguel lbra que é a “classe média que engrossa a fila da sopa dos pobres”.
Ao aprofundar a leitura desse texto, desprovido de preocupação estilística, porém rico de imagens e alusões veementes, tropeçamos com um parágrafo no qual lemos que “as pessoas parecem viver aqui [em Buenos Aires] num estado de insensato otimismo: pior não pode ficar, alguma coisa vai acontecer”.
Bioy Casares refere, muito a propósito, uma queixa de Remy de Gourmont: “Devemos ficar felizes, nem que seja só para o bem do nosso orgulho”!
Parei para tomar fôlego e refletir sobre as banalidades que prendem a nossa atenção e nos fazem esquecer o essencial das nossas conjecturas, vãs conjecturas sobre a verdade é a mentira e a covardia de que somos feitos.
O silêncio que se amplia em nosso redor, por imposição de regramentos de autoridade ou pelo temor e o medo que exercem sobre nós um poderoso efeito dialético, reflete algumas injunções poderosas. A fuga às intermitências da verdade e da mentira, o abrigo desesperado à sombra de um otimismo incontrolável e o desejo de nos fazermos crer otimistas.
Não alcançamos o entendimento do quão trágico e dramático pode ser uma guerra civil ou uma dessas revoluçõezinhas de araque que surtam nos quartéis, com o dedo dos políticos atrabiliários e com o arrimo dos instrumentos legais ou resguardadas pelos justiça e pela mídia.
A Grécia e a Argentina sofreram na carne dos desvalidos cidadãos de dois países insolventes, as consequência de uma quebra financeira, originada na administração inepta de governantes suspeitos e na ideologia que controla, cala e ameaça o povo. E o povo emudece neste esforço inútil de mostrar que parece estar feliz…