Um possível sentimento das ruas; Por Ricardo Alcântara

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Tenho conversado muito com pessoas desconhecidas – um dos meus esportes prediletos é puxar conversa com “essa gente” que, como disse o poeta, “vai em frente sem nem ter com quem contar”.

E, como não poderia deixar de ser nesse momento, sempre puxando assunto sobre a eleição em Fortaleza. São ubers eleitores de André Fernandes, balconistas eleitores de Evandro, indecisos de diversas ocupações.

Faço-me de desentendido, simulando pouco saber sobre o tema para não inibir os interlocutores e, com isso, os encorajo a dizer o que pensam sem receio de censura ou contraditório.

Foi uma técnica aprendida em mais de 400 horas como observador oculto de moderação em grupos de discussão de pesquisas qualitativas. Um método cem por cento seguro, sempre dá certo.

De tudo isso, e posso estar enganado (não terá sido a primeira vez), percebo que o eleitor em geral não vê o candidato Evandro Leitão com traços daquele vendedor de sonhos que sempre deu moldura aos personagens de esquerda. Ao fim, é, na dimensão simbólica, um candidato da tradição.

É comum me deparar com eleitores definidos de Evandro que enxergam nele pouco mais do que “o que de melhor é possível”, isto é, uma aposta modesta, quase resignada de quem se alinha mais ao projeto que ele representa e o enxerga como uma boa pessoa.

Ok, ainda bem que o temos, mas talvez não seja o suficiente para uma empreitada tão difícil o “possível” que, enfim, é pouco diante do gigantismo dos desafios e, por isso, não é capaz de gerar mais que simpatia, quem dirá entusiasmo.

O próprio apoio de Lula, que faz um governo (pesquisas atestam) também percebido assim, como de conquistas medianas, só reforça essa percepção. Lá na vida real das ruas, não se encontra adesão vibrante com Evandro também porque ele, de fato, representa um projeto político de resultados atuais medianos, tanto no plano federal quanto estadual.

Isso é fato, ainda que se possa responsabilizar terceiros pela metade mais um disso tudo, além do tempo curto, claro, pois dois anos de mandato num país encrencado como este não dá tempo nem de calçar as botas.

E o personagem Evandro Leitão, que quem conhece mais de perto sabe o cara legal que ele é, não é um mago de carisma ou retórica. Enfim, a persona não compromete, mas tampouco alavanca num momento em que marchamos atolados no charco de tempos muito estranhos.

Perceba. Quando muitos petistas diziam há duas semanas que seria “mais fácil” (pensando, na verdade, como algo “menos difícil”) enfrentar André Fernandes no turno final, já havia nessa torcida seletiva esse mesmo sentimento de que não sendo o candidato promessa extraordinária, pelo menos se teria a demolir um alvo mais definido em seus estigmas.

Naquela linha de raciocínio, à qual não aderi por sugerir um padrão muito cartesiano e sem margem de confiança, desconstruí-lo seria uma abordagem mais possivelmente promissora do que tentar vender o elã de uma candidatura que, forçoso dizer, não faz sonhar.

Se Evandro for eleito, será, principalmente, porque a maioria dos eleitores, ao olhar para a outra opção, pensará: “Esse não dá”. Será, para usar clichês do marketing privado, uma “compra comparada” e não (longe disso) um “sonho de consumo”.

E não culpem Evandro por isso. Nem à torcida do Ceará, nem à do Fortaleza: é o máximo que nós, os progressistas brasileiros, conseguimos representar hoje. Simples assim.

Para a população de corte mais prevenido, somos apenas uma maneira de evitar o pior. Um dique de contenção para a maré alta das desordens. Se alguém aí estiver achando que entrega mais do que isso, desça do pedestal.

Muito desencanto e aspereza, é o que tenho sentido no contato com o “cidadão comum” menos radical, isto é, aquele que não se dispõe a estar existencialmente mais mobilizado pela política, mas sabe o quanto ela anda lhe devendo – e daí para cair na conversa mole do “jovem candidato anti sistema”… facinho, demasiado humano.

Tudo isso para dizer que se tem 13 dias para provocar uma reflexão sincronizada nesta cidade – aquele momento mágico muitas vezes observado de alinhamento mental, quando a maioria das pessoas irão parar, observar melhor e perceber: “aquele ali não dá. Com esse outro, o risco é menor”.

Pois mereça, Fortaleza, perceber que uma matilha de celerados ronda nossa aldeia. Afinem as pontas das flechas e acertem o lobo.

Ricardo Alcântara é escritor, publicitário, profissional do marketing político e articulista do Focus.

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