Por Leandro Vasques
Post convidado
A missão do advogado entre o perigoso apelo midiático e a necessária coragem do julgador
Em nosso Estado Democrático de Direito, para que se resolvam muitos conflitos, das mais diversas naturezas, ou para que se aplique uma pena a alguém, é imprescindível que haja um processo e um julgamento. Para tanto, é necessária a atuação de um advogado. Faz parte do jogo. Como garante a Constituição, “o advogado é indispensável à administração da justiça”.
Processos judiciais devem ser vistos como instrumentos de efetivação da justiça – e não como meros obstáculos para a satisfação de um deturpado senso de justiça prenhe de ódio e intolerância. Assim, por mais irresistível que seja a condenação sumária de alguém aparentemente culpado, o processo penal, com todas as suas regras e garantias, representa uma segurança para todos nós – indistintamente.
A lógica é simples (ou deveria ser): existe uma apuração anterior à condenação justamente para separar os inocentes dos culpados, mas a partir do momento em que se jogam reputações na lama, subvertendo a ordem natural do processo, todas as etapas processuais posteriores se mostram irrelevantes, afinal meros suspeitos são colocados nos cadafalsos das forcas e nos pelourinhos em praça pública e, algumas vezes, a morte não é meramente simbólica.
Instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal e a Polícia Civil devem ser fortalecidas para o enfrentamento à criminalidade, mas, como asseverou Padre Vieira em seus sermões, a luz que ilumina, em excesso, faz cegar. Todos desejamos uma sociedade em que criminosos são punidos. Não se discute. Mas isso precisa ser feito com cautela, com respeito à mesma lei que se deseja aplicar implacavelmente aos investigados.
Nesse cenário, atua o advogado, que não deve se furtar a atuar em causas impopulares, pelo simples pré-julgamento midiático, por mais repugnantes que sejam as circunstâncias do caso. E quase todos os dias a imprensa aponta seus holofotes para um fato que causa indignação e revolta em uma sociedade que se vê reiterada e violentamente açoitada pela criminalidade. Vivemos um eterno déjà-vu de notícias repulsivas – de crimes de sangue ou do colarinho branco – e nisto residem o drama e a glória do defensor, “nesse pisar de lama sem salpicar os sapatos”, como proclamou Laercio Pellegrino.
Se por um lado é imprescindível a ampla cobertura jornalística de fatos de interesse público, por outro, apesar de não serem impermeáveis à influência midiática, afinal são parte da sociedade, os juízes precisam ter justamente a coragem como principal filtro ao clamor social.
Para a Aristóteles, a coragem é a primeira das qualidades humanas, porque garante todas as outras. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra: a falta de coragem é covardia; e o seu excesso, temeridade. A coragem equilibrada, então, serve para tudo na vida, com especial importância para aqueles que julgam os seus semelhantes no intrincado sistema judicial brasileiro.
Sou advogado e vejo com reservas – porém com humildade – certos pitacos que lançam sobre a advocacia, de modo que, respeitando a distância do meu lugar de fala, opino com parcimônia sobre a atuação dos juízes. De todo modo, é importante trazer novas luzes, por perspectivas diversas e fora da caixa, para que, na dialética da vida e do processo, possamos chegar a um lugar melhor.
O decálogo da justiça de Dom Quixote traz, dentre outras lições, a seguinte: “Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo”.
Em outras palavras, é o que diz Rui Barbosa em sua célebre Oração aos moços: “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais.”
Não é fácil desagradar a maioria, especialmente se a voz do povo brada por “justiça”, ainda que dissociada do que se erigiu como fundamental para o Estado Democrático de Direito.
As garantias constitucionais de todos devem ser respeitadas – ou seremos ingênuos em acreditar que a violação aos direitos de alguns não redundará em uma violação sistemática aos direitos da grande massa de investigados, presos e condenados Brasil afora?
Nota do editor: os pontos de vista assinados por colaboradores não refletem necessariamente o pensamento do Focus.jor, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.
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