As restrições à palavra e à opinião não são o resultado de uma forma de contingenciamento recente do nosso estoque de reservas democráticas, fora de uso. Vêm desde a Colônia e dos Vice-reinados. Tiveram os seus “controles de segurança” apertados ainda no Império. Porém, no decurso das muitas repúblicas que instauramos aqui, à custa de modelos mal copiados dos federalistas americanos e da Revolução francesa, os pesos e freios de Montesquieu travaram, e entregamo-nos, os brasileiros, a uma cumplicidade de tolerância e repetidas tentativas autoritárias que viram a luz do dia há mais de um século.
Pressentimos a chegada dessas ondas cíclicas de violência política e de arbítrio que se abatem sobre o país dos brasileiros com reveladora regularidade. Vemos as crises que as prenunciam instalarem-se, e nelas enxergamos, ainda assim, eventos normais, a serem considerados como parte do processo de crescimento do pais. E nada fazemos, conciliadores e cordatos, confundidos pela sedução de um Estado forte e de governos aparentemente dotados de meios para pacificar a nação.
As nossas crises não chegam a aprofundar os seus efeitos. Os conflitos decidem-se comumente pela via do acordo e da negociação: não se removem as suas causas, antes evitam-se as consequências e os dissabores de disputas prolongadas. Não evitamos as crises, impedimos os seus efeitos, em prol da paz social e em nome das tradições pacifistas do povo brasileiro.
Somos capazes de perceber a falácia dos arroubos “revolucionários” e das promessas que eles anunciam, sem que pretendamos desapontar os que querem acreditar no que ouvem. Deixamo-los, ao contrário, crer nas suas próprias fantasias — e nos omitimos no essencial de uma pauta contraditória de frágeis argumentos.
Foi assim no nosso passado republicano, nos hiatos de breves ritos democráticos. Perdurou, contudo, esperança nos momentos mais graves de privação da liberdade. A Proclamação da República (1889), o Estado Novo (1937) e “1964” marcaram, a espaços temporais regulares, o movimento pendular entre ditaduras e sopros democráticos passageiros.
Não parece que nos tenhamos livrado dessas privações de sentido para podermos avaliar corretamente, no momento anunciado, os riscos que corremos sob as novas formas de autoritarismo e arbítrio.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.