O livro de Voynich. Por Angela Barros Leal

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Essa história pode começar assim: por volta de 1912, um polonês viajante chamado Wilfrid, colecionador de livros raros, entrou em um monastério no Leste europeu para negociar com os monges. Das mãos deles, após estabelecer negociação financeira justa para ambas as partes, adquiriu um empoeirado manuscrito que, desde o primeiro instante, se apresentou como uma preciosidade.

A história também pode começar assim: em data não determinada do século XX, um polonês viajante, colecionador de livros raros, deparou-se em local abandonado com uma arca semelhante às decantadas arcas do tesouro. Dentro do baú encoberto por teias de aranha, encostado a um canto escuro da edificação, repousava o mais estranho manuscrito que ele ou qualquer outro ser humano sobre a Terra jamais teria visto.

Ambas as versões foram narradas pelo mesmo Wilfrid, conforme o freguês a quem ele apresentasse para negociar o estranho livro. Tratava-se de um pequeno volume encadernado artesanalmente, com 5 cm de espessura, medindo aproximadamente 23,5cm por 16cm, totalizando 240 páginas – caso fossem somadas aquelas que se desdobravam em duas, em três, ou em até quatro outras páginas.

O livro incluía blocos de texto e quatrocentas ilustrações, representando plantas, flores, mulheres, reservatórios de água e mapas astronômicos, pintados nas cores verde, vermelho, azul e marrom. Impresso em papel pergaminho vegetal, o texto apresentava-se em tinta marrom, compondo uma sequência de linhas retas e paralelas, corretamente justificadas, mantendo total respeito às ilustrações. A realização de análises técnicas empregando carbono-14 estimou para o livro a data provável de sua produção como sendo o século XIV.

Até aí, tudo bem. Muitos livros antigos contam com características similares. Entretanto, até os dias de hoje nenhum deles foi capaz de oferecer a estranheza daquela obra única. Nenhuma das plantas e flores desenhadas seria reconhecida por experientes botânicos. Nenhum dos mapas astronômicos traçados coincidia com o estudo de dedicados astrônomos. Nem uma única das letras componentes do texto conseguiria ser interpretada pelo mais laborioso dos linguistas, especializados em línguas vivas e mortas, nem por decifradores de códigos, sequer pelos superpoderes da Inteligência Artificial.

O livro ganhou o nome de seu descobridor, Wilfrid Voynich, sendo conhecido hoje como o Manuscrito Voynich, e se consolidou como um dos grandes mistérios, ou talvez o maior, a ser desvendado pelos bibliófilos. Hoje ele se encontra aos cuidados da Yale University, no estado de Connecticut, Estados Unidos, onde foi estudado por dezenas de especialistas, sem sucesso na decifração de seus símbolos.

Como não sou bibliófila, e sim leitora, bato no peito e confesso que desconhecia a existência dessa obra até a semana passada. Movida por descomprometida curiosidade, baixei no kindle a versão digitalizada do dito livro. Em poucos segundos materializava-se ele na tela à minha frente, em toda sua impressionante beleza e sua assombrosa impenetrabilidade.

Os prodígios da tecnologia me permitiram o privilégio de acessar o esplendor do manuscrito, e ver com meus próprios olhos o que poderia ter permanecido inacessível
per omnia saecula saeculorum, amen.

É cheio de truques, o livro, como uma sala de espelhos. As folhas e flores e raízes ficam no limiar da identificação. Pousam naquele brevíssimo instante em que você abre a boca, como se reconhecesse o que vê, para subitamente desfazer o ato em um suspiro, ao descobrir que se tratava de uma ilusão. O desenho esquematizado das figuras femininas, todas elas despidas, por pouco deixam identificar em que elas se ocupam. Os mapas astronômicos parecem exibir nosso sistema solar – e mais uma vez não se trata disso.

E as letras, o que representariam aqueles elaborados volteios, aqueles agrupamentos tão bem ordenados de sinais, aparentados aos ideogramas, sem uma falha sequer, sem um toque humano de correção. O que se poderia deduzir daquela total ausência de pontuação, sem um traço que se assemelhe a um ponto, a uma vírgula. Que mensagem estaria oculta naquele emaranhado mudo de símbolos.

As hipóteses sobre a gênese do livro são múltiplas. É possível que tenha sido uma falsificação multicentenária, dizem alguns. Pode ser que seja resquício de alguma língua ainda ignorada, afirmam outros. Quem sabe não seria produto de inteligências em outros planetas, em outras galáxias, apontando para os terráqueos um Você Está Aqui cósmico.

Por mim, fico com a beleza das ilustrações do livro, com a deliciosa surpresa de saber que nem tudo nesse mundo foi desvendado, e que continua existindo um espaço para maravilhas em torno de nós, nesse universo tão devassado.


Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus Poder desde 2021. Sócia efetiva do Instituto do Ceará.

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