
[Cuidado: Ironia! Manusear com prudência e moderação]
“Brasil, este estranho país de corruptos, sem corruptores.” — Luiz Fernando Veríssimo
“Um homem não se vende, recebe sem mais do que vale.” — Barão de Itararé
“Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder.” — Millôr Fernandes
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Keynes voltou à moda — sem que sequer os economistas se dessem conta. Talvez sejam, também, cúmplices desse desentendimento. Quem haverá de saber?
A ideia de que o Estado é o agente indispensável para o controle da economia volta a fazer sucesso entre os neodemocratas. Tamanha é a força desse entendimento que até certos conceitos éticos já pedem revisão semântica: seria preciso retirar deles suspeitas de contravenção, antissociabilidade ou até mesmo criminalidade.
No direito, como na moral — e mesmo no plano ético — nada é eterno. Nem os costumes, nem as crenças. O que ontem era pecado, hoje já não é nem ilegal. Nem dolo. Não por acaso, firmou-se a compreensão de que o direito é fenômeno social, cultural e histórico — e não se reduz ao mero cumprimento das leis.
A corrupção, nesse contexto, não é apenas desvio ético do comportamento humano. Suas raízes não nasceram no terreno exclusivo da vida privada. A julgar pelos registros históricos, ela se engrandece à medida que envolve o Estado, o governo e os recursos públicos.
Nos últimos séculos, no Ocidente e no Oriente, a corrupção ganhou expressão social e geopolítica. Isso se deu em razão da crescente mundialização das relações entre Estados nacionais, organizações supranacionais e alianças militares e diplomáticas.
O desenvolvimento dos mecanismos “público-privados” fortaleceu os laços de colaboração na partilha dos bens do Estado entre os “provedores da democracia” e os controladores da política e dos políticos.[Julien Freund, L’Essence du politique, Dalloz, Paris, 1965]
Os mecanismos eleitorais mantêm-se com recursos públicos ou privados — conforme o perfil progressista ou conservador do sistema vigente em cada país e época. O processo eleitoral, seus custos e a mecânica de captação de votos funcionam animados por essa irrigação constante de dinheiro.
A eleição de parlamentares e governantes transforma o processo eleitoral na principal válvula de regulação institucional. Os partidos políticos são, então, os instrumentos criativos de produção de um centro de poder que domina a formação do governo e apreende a vontade do eleitor.
Por esses canais trafegam os “recursos políticos” que alimentam a democracia — com sua carga de favores, cargos, promessas e valores previamente combinados. O voto vira mercadoria. Com toda a tecnologia democrática disponível, os “colégios eleitorais” criam candidatos, dominam as indicações e elegem parlamentares sem eleitores.
Diante dos milhares de candidaturas registradas a cada eleição, a partilha das dotações públicas e privadas se transforma numa aplicação — ou seria investimento? — de uma soma considerável de dinheiros, favores futuros, cargos e benefícios inumeráveis.
É aqui que Keynes ressurge com força: as eleições, com essa injeção periódica de recursos, exercem uma função reguladora economicamente insubstituível. São fonte de empregos, alimentam a expansão da microempresa e fortalecem o empresariado do setor.
Essa capacidade de gerar e distribuir recursos por uma base ampla de cidadãos é um indicador valioso da circulação da riqueza social e econômica — tanto em democracias quanto em ditaduras. A ausência de eleições significa a falta de eleitores e, portanto, de investimentos eleitorais vitais. A democracia, ao contrário, provê a economia de fluxos financeiros e irriga a vida política nacional.
Neste cenário de economia eleitoral ativa e eficiente, surgem mecanismos gerenciais próprios de Estados fortes — e com eles, uma burocracia poderosa.
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Os mecanismos operacionais que os conservadores chamam de “corrupção” são, na verdade, como se vê, alavancas eficazes para redistribuição de riqueza e renda. Uma forma engenhosa de estimular o empreendedorismo político-financeiro — e promover, quem sabe, a verdadeira inovação social.