Por Angela Barros Leal
Articulista do Focus
A lua cheia ia demorar a aparecer. Naquela sexta-feira, a previsão era de que surgisse mais cedo, obedecendo ao que instruía o site do Instituto Nacional de Meteorologia.
Nesses nossos tempos, tão pouco românticos, não sabemos mais de nada pela leitura das estrelas, ou através do comportamento das aves, ou seguindo as construções das formigas obreiras: a sensibilidade natural empalidece diante da sapiência dos satélites, e dos órgãos burocráticos que regem o nosso Universo.
Enquanto a lua não dava as caras, ficamos caminhando por ali, pelas redondezas da Ponte dos Ingleses, renascida em alvura copiada da espuma de um mar àquela hora impiedoso, empenhado em flagelar as pedras de suporte da rua.
A lua mexe com as marés, constata minha acompanhante. Inclusive com as nossas marés internas, 70 por cento de água que somos. Apressa os partos. Provoca convulsões. Libera e limpa nossos dutos lacrimais. Sabemos disso, nós, que demos à luz em noites de lua cheia.
Era já o finalzinho da tarde, a hora entre o cão e o lobo, na palavra dos franceses (que dispõem de ambos), o momento definido para nós (que não os temos) como a hora mágica.
As tintas do cor de rosa, do roxo, do azul, equilibravam-se com graça na risca do horizonte, bem ensaiadas após treinarem em tantos finais de tarde anteriores, obtendo similar beleza. Deixavam-se apreciar o tempo suficiente para que algumas centenas de câmeras dos telefones celulares presentes fizessem seus registros, enquanto não despontava nos céus a atração principal.
A oeste da Ponte dos Ingleses, roía-se de sal e de inveja a ossatura abandonada da Ponte Metálica. De lá, tantos partiram e chegaram no decorrer do século XIX, acenando lenços desde o Pavilhão Atlântico, salgando ainda mais as águas oceânicas com suas lágrimas, até ouvirem o derradeiro bramido da sirene dos barcos em despedida.
Um porto hoje apropriado para navios fantasmas, uma coluna dorsal fraturada e escurecida, estendendo-se à toa de mar a dentro, distanciando-se ainda mais do alcance de auxílios oficiais.
Grafites e pixações se alternam nos muros altos que protegem área inacessível aos passantes. Por trás dos muros, jaz o esqueleto de uma pirâmide enterrada, feita de concreto e do nosso ouro, monumento projetado para abrigar os cardumes de sonhos de faraós cuja glória, há muito, se fez perdida.
O passado a Oeste. Ao Leste, a ponte fênix, mais uma vez renascida.
E lá para caminhamos, até andar sobre as águas, acima dos saltos altos das longarinas, sentando para descansar nos bancos de madeira, disputando espaço entre crianças, idosos e animais. Ao fundo, a bela silhueta da Femme Bateau, jamais desfeita pelos ventos sua cabeleira revolta, ora cabelo, ora vapor.
A lua não vinha nunca. Pode estar escondida atrás dos prédios, arriscou minha acompanhante, e apertamos o olhar na direção do perfil da orla de Fortaleza, tentando adivinhar por trás de qual daqueles edifícios iluminados a lua encontrara abrigo, enquanto não batiam os relógios anunciadores de sua entrada em cena.
Em alemão, sol é feminino, lua é masculino, eu digo a ela, esticando a espera. A sol. O lua. Assim me foi dito por um nativo, há muito distante do mundo teutônico. Por garantia, clamamos em voz alta para que a lua, ou o lua, tanto faz, não demore em mostrar sua cara redonda de lua cheia.
Quando ela surge, feito um balão perolado desprendendo-se de suas amarras, é como se fosse a primeira vez em que se mostrasse, a estreia de uma nova estrela dos palcos celestiais, ciente de seu sucesso, subindo sem pressa aos céus.
Alguns dos presentes aplaudem. Na calçada, os cães vadios uivam como lobos.
Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus.jor.