As conversões, sobretudo as religiosas, costumam acontecer de chofre graças a uma espécie de revelação que faz brotar a fé no espírito tocado pela mensagem divina. São Paulo, a caminho de Damasco, é o exemplo clássico dessa forma súbita de iluminação fervorosa mensageira de uma nova crença.
Comigo tem sido diferente. Amadureço lentamente ao longo do tempo a minha conversão. Calma, não se trata de religião. Continuo católico, fiel à Igreja Católica Apostólica Romana. A mudança se processa no terreno movediço da política. Nada de pessoal, muito menos relacionado à atual quadra eleitoral.
Começo a pensar se conviria, para o bem da nação, rever minha posição quanto ao sistema de governo mais adequado ao Brasil. O artigo 2º do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais determinava a realização de um plebiscito visando definir a forma e o sistema de governo a se instalar no país, tendo em conta o relevo da decisão e a existência de diferentes correntes de opinião em que se dividia a Constituinte e a população. Nada mais democrático do que entregar a decisão ao povo.
Assim aconteceu. A forma de governo vitoriosa foi a República, e o sistema o Presidencialismo. À época, me envolvi ao lado de Leonel Brizola e Marco Maciel na campanha presidencialista por estar convicto de que o desprestígio popular não permitia acolher o Parlamentarismo, regime no qual os partidos são fortalecidos e o Parlamento elege ou homologa o Primeiro Ministro que, em seu nome, de fato governa. Além do mais, o Estado brasileiro, organizado sob a forma de Federação, concede aos entes federados autonomia que impõe dificuldades para adoção do Parlamentarismo. Seria o caso de estabelecer também o Parlamentarismo nos estados?
A Constituição de 1988 desconcentrou o poder para a execução de políticas públicas de saúde, educação etc., pelos estados e municípios. Paradoxalmente, assistimos a uma crescente concentração de receita e restrições fiscais nas mãos da União, o que acabou por reduzir substancialmente a autonomia estadual. Os últimos anos têm se caracterizado por um progressivo avanço do Congresso Nacional na partilha de recursos orçamentários destinados à execução de obras e serviços por parte de estados e municípios, em prejuízo do executivo federal, a quem compete gerir o país no seu todo.
Enquanto o Executivo é cobrado pela solução de problemas, vê definhar todos os dias os meios de que dispõe para desempenhar o papel constitucional que lhe cabe. Enfim, o Congresso acumula recursos, pulverizando-os sem a responsabilidade de acudir às necessidades do país mediante uma macro visão nacional que decorra de um planejamento integrado a ser executado no tempo e no espaço. A partilha da gestão dos recursos exige uma divisão de responsabilidades entre o Parlamento e a Presidência, que a Constituição previu conviverem independentes e harmônicos junto ao Judiciário.
Não acredito que nossa histórica formação política, consolidada desde o advento da República, admita adotar o Parlamentarismo na sua forma clássica; tendência agravada pela experiência parlamentarista improvisada, imposta a guisa de solução da crise instalada pela renúncia de Jânio Quadros. A expectativa reinante era para saber quando seria restaurado o Presidencialismo, o que acabou por não demorar muito, sabotado o novo regime por todos os lados.
Talvez a solução para essa penosa situação política, com inegáveis prejuízos para a nação a braços com problemas crônicos, de difícil e custosa solução, fosse o semi-presidencialismo, uma forma de parlamentarismo mitigado, tal como ocorre em França e Portugal, que melhor equilibra deveres e poderes dos dois ramos do Estado. A possibilidade de dissolução do parlamento impõe um freio às aventuras dos congressistas, receosos de se submeterem a eleições antecipadas na vigência da legislatura.
Diante do cenário atual, talvez conviesse discutir a sério essa alternativa como forma de superação do atual quadro político e institucional de escassa funcionalidade.