“A realidade está definida com palavras. Portanto, quem controla as palavras, controla a realidade.” — Antonio Gramsci
Não é preciso estar inteirado das regras e proposições da extensa gramática marxista para entender os novos (nem tão novos assim) dogmas, estratégias e táticas empregadas na tomada de poder do Estado.
Das guerras e das campanhas terrestres, das batalhas navais e do uso dos recursos da aviação militar — nenhum deles sobreviveu, caíram em desuso. E por motivos justos.
Trotski já despertara, a seu tempo, para a importância secundária das ações de combate no alvorecer do comunismo e do seu contraponto, o fascismo, quando se tratava de conquistar o poder nas monarquias europeias e em algumas raras tentativas de prática democrática.
Stálin foi, ao contrário, um conquistador artesanal: amava as guerras, os pogroms e as proposituras de limpeza étnica de populações “mal constituídas”. Nisso, compartilhava impulsos genocidas com Hitler.
Alguns chefes políticos de nações periféricas — na Ásia, na América Latina e no Oriente Médio — herdaram esse viés, mas a ele emprestaram outro tratamento: chamam de “processos de afirmação identitária”.
Trotski teve suas teses de “revolução permanente” rejeitadas por Stálin, o velho mujique simpático aos métodos tradicionais de convencimento e conquista. Essa resistência, porém, não impediu que a conquista do poder avançasse com apoio de outros métodos de persuasão.
A fragmentação das instituições, a recusa às velhas tradições, a fragilização da união familiar, a corrosão da religião ancestral, a educação socialmente referenciada, a instituição da militância e os ares internacionalistas de expansão foram as armas escolhidas para construir um brave new world — uma nova sociedade, um Novo Homem.
Gramsci parte da formulação de uma “teoria da hegemonia cultural” para formar consensos sobre as desigualdades sociais. A sutileza das estratégias que acompanhavam essa ação “guerreira” de assédio e tomada do poder multiplicou adesões no meio intelectual, nas universidades, entre educadores, na mídia e nos estamentos da burocracia do Estado. Negri, Althusser, Poulantzas, Bourdieu, Hobsbawm foram, entre muitos outros militantes e pensadores, o exército que se multiplicaria mundo afora: na Escola de Frankfurt, nos grupamentos da social-democracia, passando pelo Foro de São Paulo.
De baionetas e fuzis, só a retórica romântica de Aragarças sobreviveu em nossas fantasias adolescentes. Nada é mais como foi antes. Os mísseis intercontinentais de ontem, que massacravam populações civis e destruíam países, são armas superadas.
Os apetrechos da nova conquista asseguram a ocupação das mentes, do pensamento e da opinião — e fazem as criaturas enxergar e perceber a realidade. A realidade é obra de uma engenharia reversa, alternativa e convincente: é fruto da “realidade” que carregamos nos olhos da nossa compreensão e do nosso assentimento.
Nesse processo, a liberdade, a democracia e as carências da fé são obstáculos a serem afastados — e substituídos por algo mais consistente: a lealdade a uma felicidade prometida e aos desígnios de um dogma de nova salvação.
