Reacender a cansativa disputa entre Lula e Bolsonaro é mais do que uma regressão política: é a adesão tácita à lógica denunciada por Giuseppe Tomasi di Lampedusa em sua célebre obra Il Gattopardo, quando escreveu:
“Se vogliamo che tutto rimanga com’è, bisogna che tutto cambi.”
(“Tudo deve mudar para que tudo permaneça como está.”)
A frase, proferida por um jovem aristocrata siciliano em tempos de transformação política, escancara uma realidade que permanece desconfortavelmente atual. No Brasil, essa lógica se expressa no simulacro de alternância de poder que, na prática, mantém intocados os alicerces de uma ordem construída para beneficiar poucos — sob o verniz democrático e popular.
A polarização entre líderes que representam estruturas anacrônicas é uma distração conveniente. Enquanto o debate público se resume à caricatura de antagonismos pessoais, perpetua-se a verdadeira tragédia nacional: a permanência de um modelo de poder construído sobre privilégios, pactos de conveniência e uma cultura política extrativista.
É preciso romper, de uma vez por todas, com a herança colonial ibérica que moldou um Estado patrimonialista, refém das elites e blindado contra os anseios coletivos. Grande parte das fortunas e dos impérios econômicos brasileiros não se forjaram em ambientes de livre mercado ou por mérito empresarial, mas sim na sombra do Estado, em conluios escusos, licitações viciadas, renúncias fiscais seletivas e favorecimentos institucionais.
Essa simbiose entre poder político e interesse privado esvazia a democracia, sufoca a inovação, corrói a confiança social e empobrece a coletividade. Reformar essa estrutura não será fruto da repetição de nomes, siglas ou promessas. Requer um novo pacto de sociedade, fundado na justiça fiscal, na equidade de oportunidades, na ética pública e, sobretudo, na coragem de enfrentar privilégios historicamente naturalizados.
Enquanto insistirmos em trocar peças sem revisar o tabuleiro, o jogo continuará sendo o mesmo — e os vencedores, também.
