“Eu não acredito em uma aliança oportunista e meramente eleitoral que tem como pano de fundo a união do ódio com o ócio. A política é uma atividade nobre, e demanda senso de responsabilidade com suas atitudes.”
— Romeu Aldigueri Arruda, Presidente da Assembleia Legislativa do Ceará.
Quando uma frase como essa ressoa no cenário político, não se trata apenas de retórica elegante, mas de um raro momento de lucidez que merece ser acolhido, refletido e ampliado. Em tempos de alianças forjadas ao sabor das conveniências, o que se denuncia é o desvirtuamento da própria essência da política — que deveria ser, por vocação, o exercício responsável do bem comum.
No Ceará, contudo, o que se vê é a cristalização de uma política que despreza ideologia, programa e coerência. O fisiologismo predomina como regra de ouro da governabilidade local. As legendas partidárias servem mais como siglas de aluguel do que como agremiações programáticas. Trocam-se princípios por cargos, discursos por favores, e projetos de Estado por interesses de ocasião.
Essa “união do ódio com o ócio” a que se refere Aldigueri aponta para uma classe política que, ao mesmo tempo em que não constrói (ócio), se alimenta da desestabilização e do ressentimento (ódio). É a prática reiterada da crítica destrutiva, do denuncismo seletivo e da omissão proposital quando se trata de enfrentar os problemas reais da população.
Enquanto isso, temas de extrema urgência — como a falta de medicamentos, o colapso da saúde pública, a escalada da violência e os índices alarmantes de pobreza e analfabetismo — seguem à margem das prioridades legislativas e executivas. É como se o Estado tivesse se habituado a conviver com a precariedade, desde que os conchavos do poder sigam funcionando como engrenagens bem lubrificadas da conveniência.
A verdade é dura: no Ceará, ser aliado do poder pouco exige além da disposição de calar, aplaudir e barganhar. Não há, na maioria das vezes, compromisso com a ética pública ou com a coerência entre o que se diz e o que se faz. A decência se tornou um ativo raro. A transparência, um estorvo para os que preferem atuar nas sombras dos acordos não revelados.
Mas quando uma voz, mesmo que isolada, se levanta para denunciar esse sistema — como fez Romeu Aldigueri — é preciso dar eco. Porque só se rompe com a estrutura viciada da política local quando há coragem para nomear o que se esconde: o clientelismo travestido de pragmatismo, o oportunismo disfarçado de articulação, e o descompromisso mascarado de neutralidade.
A sociedade cearense não pode mais aceitar essa inversão de valores. Política não é loteamento de cargos. Não é palco de vaidades. Não é arena de vinganças. É responsabilidade. É serviço. É projeto coletivo.
A fala do presidente da Assembleia pode ser um ponto de inflexão — se a sociedade, a imprensa e as instituições tiverem coragem de tratar não apenas das consequências, mas das causas profundas desse fisiologismo corrosivo. E de cobrar dos atores políticos mais do que votos e slogans: cobrar verdade, coerência e, sobretudo, respeito ao povo cearense.
Porque, afinal, como já dizia Ulysses Guimarães, “a política tem que ser feita com decência. E se não for com decência, que se afaste da política.”
