Tarifa zero: Utopia ou justiça em movimento? Por Dimas Barreira

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Muito se fala sobre igualdade de oportunidades. Mas é preciso reconhecer que, para milhões de brasileiros, a largada já acontece muito atrás da linha de partida.

Em comunidades periféricas, onde predominam os chamados grupos minorizados – por cor da pele, gênero, orientação sexual ou simplesmente por condição econômica – as barreiras à ascensão pessoal e profissional não são apenas simbólicas. São concretas, diárias, estruturais. E entre essas barreiras, a falta de mobilidade é uma das mais cruéis.

Pense no jovem que cresce em um bairro afastado, com a mãe trabalhando o dia todo, sem acesso à escola em tempo integral e exposto precocemente às ruas. Muitas vezes poder sair diariamente do próprio bairro significa a chance de escapar da criminalidade que o assedia e depois o aprisiona, mas ele sequer tem chance de descobrir outros ambientes e suas próprias vocações.

Aulas de música, esportes, cursos técnicos, bibliotecas, entrevistas de emprego – tudo isso existe em algum lugar da cidade, fora do seu alcance. Não por falta de talento ou interesse, mas por falta de transporte seguro e acessível.

Essa imobilidade forçada cria um ciclo perverso: sem mobilidade, não há acesso; não há oportunidade; o que sobra é frustração, invisibilidade e risco social.

O transporte público coletivo bem planejado e acessível é uma ferramenta imprescindível de integração urbana e justiça social. Sua essência é a universalidade: deve servir a todos, independentemente da origem, cor, religião ou condição financeira. Mas para isso, é preciso entender o transporte público coletivo. Trata-se da ponte entre o que se é e o que se pode ser.

É ferramenta de autonomia, de empoderamento e de transformação. É um serviço essencial e estruturante, cuja tarifa não pode ser pensada como preço de mercado, mas como preço público, sujeito à política e à equidade.

Quem é viajado percebe que cidades evoluídas têm, historicamente, o bom transporte como parte indispensável dos seus serviços.
Avançar nessa direção exige coragem.

Os exemplos de Tarifa Zero podem, e devem, acontecer antes em cidades menores, como Aquiraz, Eusebio e outras dezenas Brasil afora.

Mas Maracanaú e Caucaia já começam a mostrar que, com vontade política, é possível. Em grandes cidades, como Fortaleza, o caminho precisa ser gradual – mas nem por isso menos ambicioso.

A boa utopia da gratuidade total pode ser o farol a orientar políticas concretas hoje: subsídios direcionados a públicos vulneráveis (como os desempregados, que já recebem 40 passagens mensais na Região Metropolitana de Fortaleza e os estudantes urbanos que gozam de duas gratuidades em dias letivos e quando pagam é R$1,50), tarifas módicas que reduzam o peso no orçamento das famílias e aumento da oferta e horários para tornar o sistema atraente, digno, eficiente e inclusivo.

Investir no transporte coletivo é investir em gente, é tema de relevância nacional e exige o envolvimento do governo federal para fortalecer os municípios e estados nessa luta.

Bom transporte público é permitir que jovens descubram talentos e escapem da criminalidade, mães consigam trabalhar, idosos circulem com dignidade. É romper os grilhões invisíveis que mantêm comunidades isoladas em seus guetos urbanos.

Com serviços contratados de forma eficiente, cada centavo é bem investido e retorna muitas vezes à sociedade.

Ao invés de perguntar quanto custa subsidiar o transporte público, deveríamos nos perguntar: quanto custa não fazê-lo?

Dimas Barreira é administrador de empresas e presidente do Sindiônibus

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Drones, motos e cidades no limite: por que Fortaleza terá que se adaptar

A análise da reviravolta: PL suspende apoio a Ciro Gomes após ofensiva de Michelle

A aposta limpa do Governo com Spark na frota pública: baixo carbono, eficiência e maior economia

Entenda o incômodo de Michelle com Ciro Gomes

Com Ciro como pivô, racha no bolsonarismo explode no Ceará e expõe disputa por comando no PL

Aeroporto de Jericoacoara. Foto: Divulgação

Entenda o que o leilão dos aeroportos regionais realmente revela

Aécio reposiciona PSDB, abre janela para apoiar Tarcísio e facilita a vida de Ciro no Ceará

Aécio banca PSDB no centro com veto a Lula e ao bolsonarismo; E como fica Ciro?

Com pesquisa e patente cearenses, curativo de pele de tilápia chega ao mercado; E o local da indústria?

Domingos Filho entendeu que o gênero é ativo estratégico e Patrícia Aguiar vira peça do PSD para 2026

Editorial Focus Poder: Equilíbrio no comando da CPI do Crime Organizado

Engenharia do negócio — os bastidores do mega distrito digital do Ceará

MAIS LIDAS DO DIA

Datafolha: Bolsonaristas preferem Michelle e Tarcísio

Maioria vê prisão de Bolsonaro como justa; país se divide sobre onde ele deve cumprir pena

Guaiúba conquista Selo Diamante de Transparência e entra na elite da gestão pública do Ceará