Muito se fala sobre igualdade de oportunidades. Mas é preciso reconhecer que, para milhões de brasileiros, a largada já acontece muito atrás da linha de partida.
Em comunidades periféricas, onde predominam os chamados grupos minorizados – por cor da pele, gênero, orientação sexual ou simplesmente por condição econômica – as barreiras à ascensão pessoal e profissional não são apenas simbólicas. São concretas, diárias, estruturais. E entre essas barreiras, a falta de mobilidade é uma das mais cruéis.
Pense no jovem que cresce em um bairro afastado, com a mãe trabalhando o dia todo, sem acesso à escola em tempo integral e exposto precocemente às ruas. Muitas vezes poder sair diariamente do próprio bairro significa a chance de escapar da criminalidade que o assedia e depois o aprisiona, mas ele sequer tem chance de descobrir outros ambientes e suas próprias vocações.
Aulas de música, esportes, cursos técnicos, bibliotecas, entrevistas de emprego – tudo isso existe em algum lugar da cidade, fora do seu alcance. Não por falta de talento ou interesse, mas por falta de transporte seguro e acessível.
Essa imobilidade forçada cria um ciclo perverso: sem mobilidade, não há acesso; não há oportunidade; o que sobra é frustração, invisibilidade e risco social.
O transporte público coletivo bem planejado e acessível é uma ferramenta imprescindível de integração urbana e justiça social. Sua essência é a universalidade: deve servir a todos, independentemente da origem, cor, religião ou condição financeira. Mas para isso, é preciso entender o transporte público coletivo. Trata-se da ponte entre o que se é e o que se pode ser.
É ferramenta de autonomia, de empoderamento e de transformação. É um serviço essencial e estruturante, cuja tarifa não pode ser pensada como preço de mercado, mas como preço público, sujeito à política e à equidade.
Quem é viajado percebe que cidades evoluídas têm, historicamente, o bom transporte como parte indispensável dos seus serviços.
Avançar nessa direção exige coragem.
Os exemplos de Tarifa Zero podem, e devem, acontecer antes em cidades menores, como Aquiraz, Eusebio e outras dezenas Brasil afora.
Mas Maracanaú e Caucaia já começam a mostrar que, com vontade política, é possível. Em grandes cidades, como Fortaleza, o caminho precisa ser gradual – mas nem por isso menos ambicioso.
A boa utopia da gratuidade total pode ser o farol a orientar políticas concretas hoje: subsídios direcionados a públicos vulneráveis (como os desempregados, que já recebem 40 passagens mensais na Região Metropolitana de Fortaleza e os estudantes urbanos que gozam de duas gratuidades em dias letivos e quando pagam é R$1,50), tarifas módicas que reduzam o peso no orçamento das famílias e aumento da oferta e horários para tornar o sistema atraente, digno, eficiente e inclusivo.
Investir no transporte coletivo é investir em gente, é tema de relevância nacional e exige o envolvimento do governo federal para fortalecer os municípios e estados nessa luta.
Bom transporte público é permitir que jovens descubram talentos e escapem da criminalidade, mães consigam trabalhar, idosos circulem com dignidade. É romper os grilhões invisíveis que mantêm comunidades isoladas em seus guetos urbanos.
Com serviços contratados de forma eficiente, cada centavo é bem investido e retorna muitas vezes à sociedade.
Ao invés de perguntar quanto custa subsidiar o transporte público, deveríamos nos perguntar: quanto custa não fazê-lo?
Dimas Barreira é administrador de empresas e presidente do Sindiônibus