A esquerda e o jornalismo estão tontos e não entendem fenômenos como Pablo Marçal

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Para entender a surpreendente derrota de Fernando Haddad e da esquerda nas eleições municipais de 2016, na cidade de São Paulo, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, realizou uma pesquisa qualitativa sobre o imaginário social das periferias paulistanas. Afinal, o mapa eleitoral indicava que os eleitores dessas áreas formaram o grupo de eleitores que levaram o PT à derrota.

O resultado foi um clarividente raio-x de um comportamento que, de maneira decisiva, vem moldando os rumos da política não apenas da capital paulista, mas também dos grandes centros urbanos e das regiões mais prósperas do campo brasileiro.

Provavelmente, as jornadas de 2013, com grandes manifestações de rua sem lideranças tradicionais e convocadas pelos primórdios das redes sociais, tenham sido os primeiros ecos que mostravam, inclusive, o fimd a hegemonia das esquerdas nas ruas.

A esquerda assusta-se e fica desnorteada com os pablos marçais que surgem aos borbotões, mas há oito anos tem em casa o diagnóstico do que, de fato, se seguiu. Trata-se de um estudo que explicou um momento específico, mas indicou o que estava em plena construção. O estudo só não vislumbrou que seria a WEB, com suas redes sociais, o grande campo de batalha que acabou hegemonizado pelos antagonistas da esquerda.

O levantamento feito pela Perseu Abramo aborda o comportamento das chamadas periferias paulistas, mas, considerando que se trata de realidades que se reproduzem nas grandes áreas urbanas, evidentemente que as resultantes podem ser estendidas ao país explicando diversos fenômenos políticos e eleitorais que se configuram muito além de São Paulo.

A seguir, trato dos aspectos gerais daquela pesquisa

O novo cenário social
A pesquisa revelou um caldo cultural complexo que mistura valores liberais e coletivistas, refletindo uma sociedade em transformação. O avanço do consumo, a ascensão do neopentecostalismo e o empreendedorismo popular são algumas das forças que moldam a visão de mundo dos moradores da periferia. Trata-se de um eleitorado que acredita na política, mas não nos partidos; que reconhece a importância da coletividade, mas busca crescimento individual; que deseja mudanças, mas prefere reformas graduais a rupturas bruscas.

Essas contradições apontam para um novo perfil de eleitor que desafia as categorias tradicionais da ciência política. Os moradores da periferia paulistana manifestaram valores como a meritocracia, o “faça você mesmo” e a eficiência, ao mesmo tempo que reconheceua importância de políticas públicas inclusivas e da universalização de direitos. Esta nova classe trabalhadora não se enxerga em uma luta de classes, mas vê no Estado um entrave ao progresso individual, um “inimigo” que é, na sua visão, ineficaz e incompetente.

O liberalismo popular e a ressignificação do Estado
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo detectou o crescimento do que poderíamos chamar de “liberalismo popular”. Um fenômeno em que a demanda por “menos Estado” coexiste com a valorização de programas sociais diretos, como o Bolsa Família. Na prática, o conceito de “público” é frequentemente associado ao que é “de graça”, e os direitos sociais são vistos sob uma lógica mercantil, onde benefícios imediatos têm mais apelo do que garantias abstratas.

Essa mentalidade também se reflete na busca por histórias de superação e sucesso pessoal. Ícones tão distintos como Lula e Silvio Santos são vistos como exemplos de ascensão social. Curiosamente, Lula é admirado menos pelas políticas de seu governo e mais pela sua trajetória de superação, um símbolo de que, com esforço e resiliência, é possível vencer.

A religião como identidade e rede de apoio
Outro ponto fundamental revelado por aquela pesquisa é o papel das igrejas neopentecostais. Contrariando o senso comum de que o voto religioso seria estritamente conservador, a pesquisa sugere que a adesão a esses grupos está mais ligada a aspectos organizacionais e comunitários do que a ideologias estritas. A igreja aparece como um espaço de acolhimento, identidade e apoio, onde valores como a meritocracia e a teologia da prosperidade dialogam com a realidade cotidiana do trabalhador.

Esse acolhimento e a capacidade de criar vínculos são fatores cruciais para entender o sucesso das igrejas na periferia, que funcionam menos como um bastião ideológico e mais como uma rede de suporte que oferece segurança e pertencimento. A política, nesse contexto, não é apenas debate de ideias, mas também construção de laços.

O desafio para a política democrática e popular
Para os partidos de esquerda, o estudo aponta um alerta: é necessário um reposicionamento estratégico. O discurso que nega a meritocracia, por exemplo, pode estar desconectado das aspirações da nova classe trabalhadora. O desafio é construir narrativas contra-hegemônicas que sejam menos maniqueístas e mais abertas às noções de mérito, individualidade e segurança.

Este novo cenário também exige uma política que compreenda melhor a relação do eleitor com a religião e explore mais profundamente as diferenças entre suas vertentes. Em um ambiente onde o Estado é visto como ineficaz e a lógica de mercado é valorizada, surgem oportunidades para figuras como João Doria (o então prefeito que havia derrotado Haddad), que se apresentam como “não-políticos”, mas como gestores eficientes.

Conclusão: o futuro da política na periferia
Apesar do desencanto com a política tradicional, a pesquisa revelou que os moradores das periferias de São Paulo ainda acreditam em saídas democráticas e clamam por mais transparência e participação. Nesse ambiente dinâmico, as condições materiais de vida e o cotidiano moldam de maneira decisiva a formação de opinião política.

A nova periferia exige, portanto, uma nova política: uma que saiba dialogar com os valores emergentes sem perder de vista os princípios de inclusão e justiça social. A mensagem da pesquisa é clara: os partidos que quiserem conquistar esse eleitorado terão que se reinventar, tanto na forma quanto no conteúdo de sua atuação política.

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