O lulismo em 2024: nada será como antes (1); Por Ricardo Alcântara

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O presidente Lula – é o que faz parecer – acusou o golpe. As recentes pesquisas (Datafolha e Ipec) acenderam um sinal amarelo para o Lulismo e mexeram com os nervos do velho, que abriu o verbo num encontro do partido para dizer, entre outras coisas, que o PT precisa “voltar a ser como era”. Pediu muito. Até porque foi ele, em grande parte, quem o transformou nisso aí.

O que Lula deseja é devolver a pasta de dente ao tubo ou, em termos mais claros, realizar o impossível fenômeno de anular os efeitos da experiência. Não dá. A vida não tem Ctrl Alt Del. O Partido dos Trabalhadores nunca mais será, nem poderia ser, o que foi antes de assumir o poder e exercê-lo entre 2003 e 2016. Ninguém passa impunemente pelo poder.

No poder, o partido não tinha como sustentar o discurso juvenil de conferir todos os problemas do país à “falta de vontade política das classes dirigentes”. Uma vez posto diante das contingências severas da realidade, o partido que afirmava a necessidade de “reformas estruturais” não conseguiu fazer nenhuma delas. A bem da verdade, sequer tentou. No poder, as labaredas da grande mudança foram apagadas pela ducha fria de um reformismo moderado. Logo cedo, Lula as definiu: “Eram bravatas” (sim, palavras dele).

O êxito de políticas sociais inclusivas do seu governo, turbinado pela sua facilidade em se comunicar com os menos escolarizados, fez Lula maior do que o partido: o “petismo” se tornou um subconjunto do “lulismo”, de aceitação mais ampla, e seu personalismo se evidenciou na indicação pessoal de Dilma Rousseff como candidata a sucedê-lo, escolhida não apenas por sua competência gerencial, mas também por sua visível incapacidade de rivalizar com ele, mais adiante, em popularidade.

Desidratado de seu discurso mais vigoroso, o partido que passou vinte anos como xerife da moralidade pública, se definindo como “diferente de tudo isso que está aí”, viu seus líderes envolvidos em sucessivas denúncias de corrupção que, malgrado os abusos cometidos pelo Ministério Público Federal, deixaram um legado fático – afinal, dinheiro foi devolvido. Aos milhões. Daí, a porção udenista do PT, como já alertava Leonel Brizola em fogo amigo, escorreu pelo ralo. E nunca mais se ouviu alguém por lá dizer que “o PT é diferente de tudo isso que está aí”.

Enquanto isso, os quadros intermediários do partido foram afetados pela adicção de uma substância que nas esquinas escuras da República é batizada como “boquinha”. Aparelhou-se instâncias governamentais com distribuição de cargos e contratos à companheirada sindical e do ativismo social. Essa gente se distanciou não apenas das bases, mas as amestrou para o conformismo diante dos limites da governabilidade.

Por fim, o ciclo do Lulismo foi interrompido em meio a uma crise econômica. O descontrole dos gastos públicos já extraía do Estado a capacidade de realizar os investimentos necessários à manutenção do crescimento econômico e quando Dilma foi indevidamente deposta mais de 12% da mão de obra já estava desempregada. Doloroso lembrar, mas são índices semelhantes àqueles que o PT carimbava na campanha de 2002 como “a herança maldita de FHC”.

Enfim, a experiência com cada um desses eventos (digamos assim como generalização) teve efeito corrosivo no perfil original do partido, aquilo a que muitos se referem nostalgicamente como “o PT raiz”. Quando hoje uma pesquisa afirma que 4 em cada 10 brasileiros “não acreditam no que Lula fala”, ela nos dá uma medida dura, porém incontestável de que aquela mística libertária é agora apenas um retrato na parede da memória.

Lula realiza um governo de restauração e tem sido competente nisso. E se mais não faz é porque uma maioria conservadora no parlamento não deixa. Benditos sejam os 0,8% de votos que lhe deram a vitória. Devemos essa a Lula porque nenhum outro teria popularidade para nos livrar do desmonte autoritário que nos aguardava. Mas aquela geração fundadora do PT – muitos ainda a dar as cartas por aí – esgotou seu repertório de possibilidades. Perdeu ímpeto e potência. Envelheceu.

Repare que não há no governo Lula uma só ideia nova, mobilizadora, que inspire as ruas. Não gostaria de dizer estas palavras, mas são, enfim, expressão dos fatos – esses chatos – em sua soberana prerrogativa de nos moderar a esperança. Portanto, não: a pasta de dentes não voltará para dentro do tubo. A vida não tem Ctrl Alt Del. E nada será como antes.

Ricardo Alcântara é publicitário, escritor e colaborador do Focus.

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